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TEXTO PARA A QUESTÃO
O médico
… e, de repente, um canto de minha memória que o esquecimento escondera se iluminou, e eu o vi de novo, do jeito como o havia visto pela primeira vez: o quadro. Vejo-me, menino, na sala de espera do consultório médico. Estou doente. Meus olhos assustados passeiam pelos objetos à minha volta, até que o encontram. Pendia, solitário, na parede branca. Levanto-me e me aproximo, para ver melhor. Leio o nome da tela: O médico.
É a sala de uma casa. Cena familiar.
Tudo está mergulhado na sombra, exceto o lugar central, iluminado pela luz de um lampião. Mas a luz é inútil. O lugar mais iluminado é o mais obscuro: uma menina doente. A clareza dos detalhes só serve para indicar o lugar onde o mistério é mais profundo. Quando a luz se acende sobre o abismo, o abismo fica mais escuro. Seus olhos estão fechados, mergulhados em um esquecimento febril. Nada sabe do que acontece à sua volta. Por onde andará ela? Infinitamente longe, num lugar ignorado, onde gesto algum pode tocá-la. Seu braço pende, inerte, sobre o vazio.
O lampião ilumina a menina doente. Mas os olhos de quem examina a tela com atenção desconfiam e percebem a presença de uma outra luz. Do lampião a querosene sai uma outra luz que ilumina a menina. Mas a menina doente sai da luz que ilumina a cena inteira: luz triste, luz sombria, que inunda a sala com o seu mistério: a luz da morte. Também a morte tem a sua luz.
O artista escolheu de propósito. Se, em vez de uma menina, fosse um velho, a morte seria uma outra. A morte tem muitas faces. A morte dos velhos, por mais dolorosa que seja, é parte da ordem natural das coisas: depois do crepúsculo segue-se a noite. A morte dos velhos é triste mas não é trágica. É como o acorde final de uma sonata. O fim é o que deveria ser. Mas a morte de um filho é uma mutilação. [...]
Amei esse quadro a primeira vez que o vi, sem entender. Talvez ele seja a razão por que, quando jovem, por muitos anos, sonhei ser médico. Amei a beleza da imagem de um homem solitário, em luta contra a morte. Diante da morte todos somos solitários. Amamos o médico não pelo seu saber, não pelo seu poder, mas pela solidariedade humana que se revela na sua espera meditativa. E todos os seus fracassos (pois não estão, todos eles, condenados a perder a última batalha?) serão perdoados se, no nosso desamparo, percebermos que ele, silenciosamente, permanece e medita, junto conosco.
ALVES, R. O médico. Campinas, SP: Papirus, 2002. Fragmento adaptado.
No primeiro parágrafo, o emprego de verbos no presente para narrar fatos do passado é um recurso que
TEXTO PARA A QUESTÃO
O médico
… e, de repente, um canto de minha memória que o esquecimento escondera se iluminou, e eu o vi de novo, do jeito como o havia visto pela primeira vez: o quadro. Vejo-me, menino, na sala de espera do consultório médico. Estou doente. Meus olhos assustados passeiam pelos objetos à minha volta, até que o encontram. Pendia, solitário, na parede branca. Levanto-me e me aproximo, para ver melhor. Leio o nome da tela: O médico.
É a sala de uma casa. Cena familiar.
Tudo está mergulhado na sombra, exceto o lugar central, iluminado pela luz de um lampião. Mas a luz é inútil. O lugar mais iluminado é o mais obscuro: uma menina doente. A clareza dos detalhes só serve para indicar o lugar onde o mistério é mais profundo. Quando a luz se acende sobre o abismo, o abismo fica mais escuro. Seus olhos estão fechados, mergulhados em um esquecimento febril. Nada sabe do que acontece à sua volta. Por onde andará ela? Infinitamente longe, num lugar ignorado, onde gesto algum pode tocá-la. Seu braço pende, inerte, sobre o vazio.
O lampião ilumina a menina doente. Mas os olhos de quem examina a tela com atenção desconfiam e percebem a presença de uma outra luz. Do lampião a querosene sai uma outra luz que ilumina a menina. Mas a menina doente sai da luz que ilumina a cena inteira: luz triste, luz sombria, que inunda a sala com o seu mistério: a luz da morte. Também a morte tem a sua luz.
O artista escolheu de propósito. Se, em vez de uma menina, fosse um velho, a morte seria uma outra. A morte tem muitas faces. A morte dos velhos, por mais dolorosa que seja, é parte da ordem natural das coisas: depois do crepúsculo segue-se a noite. A morte dos velhos é triste mas não é trágica. É como o acorde final de uma sonata. O fim é o que deveria ser. Mas a morte de um filho é uma mutilação. [...]
Amei esse quadro a primeira vez que o vi, sem entender. Talvez ele seja a razão por que, quando jovem, por muitos anos, sonhei ser médico. Amei a beleza da imagem de um homem solitário, em luta contra a morte. Diante da morte todos somos solitários. Amamos o médico não pelo seu saber, não pelo seu poder, mas pela solidariedade humana que se revela na sua espera meditativa. E todos os seus fracassos (pois não estão, todos eles, condenados a perder a última batalha?) serão perdoados se, no nosso desamparo, percebermos que ele, silenciosamente, permanece e medita, junto conosco.
ALVES, R. O médico. Campinas, SP: Papirus, 2002. Fragmento adaptado.
Ao final do texto, o desejo de ser médico é associado à
TEXTO PARA A QUESTÃO
O médico
… e, de repente, um canto de minha memória que o esquecimento escondera se iluminou, e eu o vi de novo, do jeito como o havia visto pela primeira vez: o quadro. Vejo-me, menino, na sala de espera do consultório médico. Estou doente. Meus olhos assustados passeiam pelos objetos à minha volta, até que o encontram. Pendia, solitário, na parede branca. Levanto-me e me aproximo, para ver melhor. Leio o nome da tela: O médico.
É a sala de uma casa. Cena familiar.
Tudo está mergulhado na sombra, exceto o lugar central, iluminado pela luz de um lampião. Mas a luz é inútil. O lugar mais iluminado é o mais obscuro: uma menina doente. A clareza dos detalhes só serve para indicar o lugar onde o mistério é mais profundo. Quando a luz se acende sobre o abismo, o abismo fica mais escuro. Seus olhos estão fechados, mergulhados em um esquecimento febril. Nada sabe do que acontece à sua volta. Por onde andará ela? Infinitamente longe, num lugar ignorado, onde gesto algum pode tocá-la. Seu braço pende, inerte, sobre o vazio.
O lampião ilumina a menina doente. Mas os olhos de quem examina a tela com atenção desconfiam e percebem a presença de uma outra luz. Do lampião a querosene sai uma outra luz que ilumina a menina. Mas a menina doente sai da luz que ilumina a cena inteira: luz triste, luz sombria, que inunda a sala com o seu mistério: a luz da morte. Também a morte tem a sua luz.
O artista escolheu de propósito. Se, em vez de uma menina, fosse um velho, a morte seria uma outra. A morte tem muitas faces. A morte dos velhos, por mais dolorosa que seja, é parte da ordem natural das coisas: depois do crepúsculo segue-se a noite. A morte dos velhos é triste mas não é trágica. É como o acorde final de uma sonata. O fim é o que deveria ser. Mas a morte de um filho é uma mutilação. [...]
Amei esse quadro a primeira vez que o vi, sem entender. Talvez ele seja a razão por que, quando jovem, por muitos anos, sonhei ser médico. Amei a beleza da imagem de um homem solitário, em luta contra a morte. Diante da morte todos somos solitários. Amamos o médico não pelo seu saber, não pelo seu poder, mas pela solidariedade humana que se revela na sua espera meditativa. E todos os seus fracassos (pois não estão, todos eles, condenados a perder a última batalha?) serão perdoados se, no nosso desamparo, percebermos que ele, silenciosamente, permanece e medita, junto conosco.
ALVES, R. O médico. Campinas, SP: Papirus, 2002. Fragmento adaptado.
Na leitura comparativa da crônica com a pintura, o efeito dramático do quadro decorre da
Um dos grandes escritores de sempre, tão pouco conhecido em Portugal, é o inglês Charles Dickens. Uma das suas páginas, de que me lembrei agora e é das mais comoventes que alguma vez li, fala de um filho que vai visitar a mãe, muito doente, ao hospital. De pé junto à sua cama pergunta-lhe
– Sentes dores, mãe?
e ela responde
– Tenho a impressão que há uma dor aqui no quarto mas não tenho a certeza de que sou eu que a sinto
e este extraordinário diálogo é profundamente verdadeiro. Quando estava internado no Hospital de Santa Maria, a sofrer com o cancro do cólon, era exatamente isto que eu estava a sentir. Havia uma dor intensa ali no quarto mas não sabia se era minha. Umas vezes parecia-me que sim, outras que não e estava para ali como um pobre boneco articulado, a tentar entender. Havia ocasiões em que me sentia ser eu, outras em que me sentia uma coisa vaga e, por estranho que pareça, o sofrimento era-me, às vezes, quase indiferente. Não possuía a consciência de ser uma pessoa, achava-me uma coisa vaga a flutuar sem destino, olhando vagamente a janela numa indiferença opaca, consciente da miséria do meu pobre corpo imóvel, tão longe de mim, tão longe dos outros, quase não respondendo aos médicos porque mal os ouvia e, estranhamente, sem nada a lamentar. Não me queixava: parecia-me incompreensível e ao mesmo tempo alheio a mim. As enfermeiras manejavam-me como um boneco, punham-me fraldas, tiravam-me fraldas, mudavam-me a algália, mudavam-me os soros e eu calado a vê-las sem as olhar, distante, indiferente, não triste sequer, não desesperado, ausente apenas. Durante a noite, sem dormir, olhava vagamente a janela e o vazio atrás dos vidros, tomava os comprimidos, não falava nunca. Aliás falar era difícil, articular palavras, fossem elas quais fossem, uma quase impossibilidade, não sentia medo nem esperança: não sentia nada, como não esperava nada nem desejava nada. E havia de facto uma dor ali no quarto, mas a quem pertencia?
ANTUNES, A. L. Disponível em: http://visao.sapo.pt/opiniao. Acesso em: 01 mar. 2019.
No texto, de autoria de um célebre escritor e médico português contemporâneo, a dor
Mal fechei os olhos, o quarto foi invadido por um batalhão de enfermeiras e auxiliares perguntando-me se apresentava alguma alergia, queixa cardíaca, pulmonar, urinária ou digestiva. Enquanto respondia a uma delas, outra instalava o aparelho de pressão em meu braço, e uma terceira colocava o termômetro e enlaçava a pulseira de identidade. Um técnico do laboratório passou um garrote para colher sangue e ligar o frasco de soro: "Vou dar uma picadinha".
Foi o primeiro de uma série infindável de diminutivos que viriam a ser pronunciados. Achei graça porque me lembrei de meu sogro, engenheiro agrônomo que se orgulhava de ter passado a vida a abrir fazendas e a desbravar rincões longínquos. Quando esse homem à moda antiga saiu do centro cirúrgico depois de uma operação de catarata e lhe perguntei se havia sentido dor, respondeu: "Dor é o de menos; duro é ouvir 'Abre o olhinho', 'Fecha o olhinho', e ser obrigado a ficar quieto".
Deitado de camisola e pulseirinha, sem forças para agir por conta própria, cercado de gente que diz: "Vamos tomar um remedinho"; "Abre a boquinha"; "Levanta a perninha"... há maturidade que resista?
VARELLA, D. O médico doente. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Adaptado.
O texto relaciona o emprego do diminutivo à
Conto e Cura
A criança está doente. A mãe a leva para cama e se senta ao lado. E então começa a lhe contar histórias. Como se deve entender isso? Já se sabe como o relato que o paciente faz ao médico no início do tratamento pode se tornar o começo de um processo curativo. Daí vem a pergunta se a narração não formaria o clima propício e a condição mais favorável de muitas curas, e mesmo se não seriam todas as doenças curáveis se apenas se deixassem flutuar para bem longe – até a foz – na correnteza da narração. Se imaginamos que a dor é uma barragem que se opõe à corrente da narrativa, então vemos claramente que é rompida onde sua inclinação se torna acentuada o bastante para largar tudo o que encontra em seu caminho ao mar do ditoso esquecimento. É o carinho que delineia um leito para essa corrente.
BENJAMIN, W. Obras Escolhidas II. São Paulo: Brasiliense, 1995. Fragmento adaptado.
Na frase “É o carinho que delineia um leito para essa corrente”, o sentido do trecho em destaque recupera a comparação da narrativa com