TEXTO - CAPÍTULO II (EXCERTO DE AVES DE ARRIBAÇÃO)
De: Antonio Sales
Terminada a quadrilha, Casimiro pediu a altos brados uma polca; mas Alípio disse que seria melhor uma valsa.
- Pois então vá lá uma valsa, embora quase ninguém dance.
- Ah! Sozinho também não danço.
- Deixe estar que eu lhe faço companhia.
Florzinha não valsava; Alípio tirou a professora. Casimiro, quase de arrasto, trouxe uma mocinha para seu par, e a valsa começou. Houve um movimento de curiosidade em todos os olhares. D. Bilinha notou a atenção de que eram alvos e sussurrou:
- Vê como reparam em nós?
- São somente para v. exa. Esse olhares e muitos justificados, porque valsa deliciosamente.
Ambos dançavam bem, com garbo e agilidade, ora lenta, ora rapidamente, recuando, avançando, girando à direita, à esquerda, com uma justeza perfeita de passos, com um donaire que entusiasmava os circunstantes. O próprio Casimiro tinha parado a fim de ver também o par triunfante, já possuído da embriaguez do movimento, da música e do calor recíproco, a deslizar sozinho pela sala, sem mostra de fadiga, respondendo com um sorriso de gozo ao sorriso admirativo da sociedade, trocando frases rápidas cujos sons velados penetravam no ouvido acompanhados de uma onda de hálito quente.
- Está cansada?
- De modo algum!
- Como dança bem!
- Apenas me deixo levar.
- Ora! Nunca valsa aqui?
- Pouco, e ninguém sabe.
- Por que não ensina estas moças a valsar?
- Sou professora somente de primeiras letras.
- Pois podia ser também de valsa.
- Agora sou apenas discípula.
Mas a música precipitava o compasso para terminar, e os valsistas, precipitando também os seus giros, pararam finalmente com a precisão de um passo ginástico, no meio de um sussurro de louvor.
- Ah! Senhor vigário, bradou uma senhora; o seu sobrinho dança divinamente!
- Mas olhe que D. Bilinha não lhe fica atrás.
- Viva o belo par! Gritou Casimiro com o seu ar espalhafatoso. E encarando o promotor:
- Doutor, permita que lhe diga: o senhor ainda valsa melhor do que fala!
Todos riram. O Dr. Alípio foi sentar Bilinha ao lado de Florzinha, que seguira com os olhos deslumbrados os valsistas vitoriosos.
- A senhora brilhou, D. Bilinha!
- Qual queridinha! Não dançava há tanto tempo!
- Quer ensinar-me a valsar?
- Pois não! Vamos começar aqui?
- Aqui não! Deus me livre! Para o Dr. Alípio caçoar de mim!
- Por que não danças com ele? Devias experimentar. Com duas ou três vezes ficavas mestra.
- Não vê logo que eu vou dar espetáculo?!
Tocou-se a segunda quadrilha; o Dr. Alípio dançou-a com Florzinha. E no correr da festa, que acabou pela madrugada, ele levou a revezar as duas raparigas, experimentando sucessivamente as impressões diferentes que elas lhe davam – Florzinha, apenas mulher, revestida da graça meiga de uma adolescente ignorante; Bilinha, mulher feita, de carne capitosa e espírito sábio; comparando-as, ora para deduzir sua preferência, ora fundindo-as para completar um tipo ideal de mulher, decidiu antes de adormecer que, faltando a uma requisitos possuídos pela outra, ele, como poeta e como homem, o que tinha a fazer era requestar a ambas – estava claro.
Na descrição dos movimentos do casal dançarino, o narrador serviu-se de: