“Na ausência de conforto existencial, agora nos decidimos pela segurança, ou pela aparência de segurança”, escrevem os organizadores da Hedgehog Review na introdução de um número especial dedicado ao medo.
O solo sobre o qual nossas expectativas de vida têm de se apoiar é reconhecidamente instável – tal como nossos empregos e as empresas que os oferecem, nossos parceiros e redes de amizade, a posição que ocupamos na sociedade e a autoestima e autoconfiança dela decorrentes. O “progresso”, que já foi a mais extrema manifestação de otimismo radical, promessa de felicidade universalmente compartilhada e duradoura, deslocou-se para o polo de previsão exatamente oposto, não tópico e fatalista. Agora significa uma ameaça de mudança inflexível e inescapável que pressagia não a paz e o repouso, mas a crise e a tensão contínuas, impedindo qualquer momento de descanso; uma espécie de dança das cadeiras em que um segundo de desatenção resulta em prejuízo irreversível e exclusão inapelável. Em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o “progresso” evoca uma insô- nia repleta de pesadelos de “ser deixado para trás”, perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração.
Incapazes de reduzir o ritmo espantoso da mudança, ainda mais de prever e controlar sua direção, nós nos concentramos no que podemos ou acreditamos poder, ou no que nos garantem que podemos influenciar: tentamos calcular e minimizar o risco de nós pessoalmente, ou das pessoas que atualmente nos são mais próximas e mais queridas, sermos atingidos pelos incontáveis e indefiníveis perigos que o mundo opaco e seu futuro incerto nos reservam. Buscamos alvos substitutos, nos quais possamos descarregar o excesso de medo impedido de ter acesso aos escoadouros naturais, e encontramos esses paliativos nas cuidadosas precauções contra a fumaça do cigarro, a obesidade, a comida de lanchonete, o sexo desprotegido ou a exposição ao Sol. Aqueles que podem dar-se a esse luxo se munem contra todos perigos visíveis e invisíveis, presentes ou previstos, conhecidos ou ainda desconhecidos, difusos, mas ubíquos1 , trancando-se por trás de muros, equipando os acessos aos blocos residenciais com câmeras de TV, contratando seguranças armados, dirigindo veículos blindados, usando roupas à prova de bala ou frequentando aulas de artes marciais.
(Vida líquida, 2007. Adaptado.)
1ubíquo: que está ao mesmo tempo em toda a parte; onipresente.
“Aqueles que podem dar-se a esse luxo se munem contra todos perigos visíveis e invisíveis, presentes ou previstos, conhecidos ou ainda desconhecidos, difusos, mas ubíquos” (3° parágrafo)
No trecho, as conjunções em destaque têm valor