Jacques Lacan (o psicanalista francês, 1901-1981) não gostava muito do termo "paciente" para designar as pessoas que se analisavam com ele. "Paciente" lhe parecia passivo demais para quem se engaja no processo de inventar e dizer seus desejos. Lacan propôs, então, o termo "analysant", que significa "aquele que analisa", ou, se você preferir, aquele que se analisa. A tradução de "analysant" (que seria, em latim, um particípio presente) é "analisante", como amante, seguinte, dançante etc. Como não há particípio presente em português, decidiu-se usar o gerúndio, e "analysant" se tornou "analisando". O que é bizarro, porque o gerúndio latim designa um dever-ser passivo: por exemplo, Cartago é "delenda"; como dizia Catão, o Velho, significa que Cartago deve ser destruída. "Amanda" é aquela que deve ser amada, "agenda" são as coisas que devem ser feitas. Ou seja, "analisando" é aquele que deve ser analisado. O contrário do que Lacan queria dizer com "analysant". Uma análise e mesmo uma psicoterapia não são coisas que se prescrevam. São coisas que é preciso querer. Ninguém é analisando, porque ninguém "tem que" ser analisado. Agora, na conversa familiar e nos botecos, o analisando existe: ele é sempre o outro, aquele que, contrariamente a mim, "deveria se tratar". Quem manda o outro se tratar está sempre expressando uma dúvida sobre si mesmo. Mandamos o outro procurar um tratamento do qual nós precisamos (mas não queremos saber que precisamos).
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2017/10/1926422-quem-manda-o-outro-se-tratar-expressa-uma-duvida-sobre-si-mesmo.shtml. Acesso em out. 2017. Adaptado.
Assinale a alternativa que apresenta uma inferência CORRETA do texto.