Texto I
Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
Como poeta algum ousaria escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
Seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
Não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
Ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
Há de pungir, há de fazer sofrer,
Tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no escuro,
Cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
Claro enigma, se deixa surpreender.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE – Claro Enigma, in Nova Reunião - Rio de Janeiro, 1983, Livraria José Olympio Editora, p. 260)
Texto II
A um poeta
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
(OLAVO BILAC – Tarde, in Antologia de Poesia Brasileira – Realismo e Parnasianismo – Org. de Benjamim Abdala Jr. São Paulo, 1985, Editora Ática, página 48)
I – Em “não se mostra na fábrica o suplício” (texto II )“Eu quero compor um soneto duro” ( textoI ) / “Não desperte em ninguém nenhum prazer” (texto I), todos os termos destacados possuem a mesma função sintática.
II – Em “Quero que meu soneto impuro” (texto I), o vocábulo destacado formou-se pelo mesmo processo verificado, sem exceção, nos seguintes: advérbio, requeimar, ambidestro, abjurar, decapitar, extrafino, perpassar, disfagia, hipogastro, epiderme.
III – Em “Do claustro, na paciência e no sossego” (texto II), / “Rica mas sóbria, como um templo grego” (texto II) / “Não se mostre na fábrica o suplício” (texto II)/ “Sem lembrar os andaimes de um edifício” (texto II), todos os vocábulos assinalados recebem acento gráfico pela mesma razão.
IV – Em “De tal modo que a imagem fique nua” (texto II), a palavra destacada terá a mesma classificação morfológica que as assinaladas seguintes ocorrências: Amo-a que é um desespero/ Certos políticos mentem que é uma barbaridade. / Tenho medo de barata que me pelo! / Não dizem uma palavra que não seja pura asneira. / “Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? (Castro Alves).
V- Nos versos “Ao mesmo tempo saiba ser, não ser” (texto I)/“Ninguém o lembrará, tiro no escuro” (texto I)/ Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! (texto II), encontram-se, pela ordem, paradoxo, metáfora e polissíndeto.