→ Antônio Emílio Leite Couto, de onde vem o apelido Mia?
Da minha infância. Quando tinha três anos, pedi a meus pais que me chamassem assim por causa dos gatos que viviam em casa. Eles acharam graça, mas levaram a sério o meu pedido.
→ Além de escritor, sua formação é de médico e biólogo. Como está vendo as consequências da pandemia?
Nosso espanto em relação a essa nova situação não é tanto por causa do perigo imediato à saúde. O que nos assusta é que perdemos a capacidade de reconhecer o poder que a gente imaginava ter, a solução, o domínio, o controle sobre nossas vidas. De repente, um pequeno vírus revela toda a nossa fragilidade. Acho que isso deveria ser o grande aprendizado.
→ O que podemos aprender com a pandemia?
A espécie humana notou que não é o centro de tudo, mas apenas a pequena parte de algo maior. Como Darwin, quando descobriu que somos um entre muitos seres livres, ou Freud, ao perceber que não somos feitos só de consciência. Ele viu que ali havia um inconsciente, espécie de sótão escuro que não dominamos. Ou ainda como Copérnico e Galileu, quando constataram que a Terra não era o centro do universo.
→ Seria o momento de repensar nossa própria natureza como seres humanos e como espécie biológica?
Sim, temos a tendência de colocar a natureza como uma coisa divinizada, a grande Mãe que merece a nossa proteção. Não é o ponto. Esse conceito continua a nos manter fora do que importa e em posição de superioridade, “vamos salvar a natureza”. O grande ensinamento é percebermos que somos a parte de uma orquestra regida a um nível microscópico. Os seres que determinam os grandes processos da vida são as bactérias e os vírus. Somos dispensáveis e, no entanto, todo o discurso da natureza é montado sobre a floresta, o oceano, tudo que é sensível e visível para nós, tudo que está em uma escala visual. A natureza para a gente é o fulano que gosta do cão, do gato, das árvores. Mas a natureza é feita de muitas outras coisas. Seria a grande oportunidade para repensar nosso lugar, nosso papel.
→ Havia uma certa utopia de que o coronavírus traria uma conscientização, mas parece que aos poucos as coisas voltam ao velho normal. Foi ingenuidade acreditar que as pessoas mudariam?
Acho que, na verdade, vamos voltar ao “velho anormal”. Como sempre, essas crises são resolvidas à custa dos que são mais frágeis, mais fracos. Quem vai pagar a fatura são os que já estavam pagando a velha normalidade. Não sou muito otimista porque o medo, como temos hoje, nunca traz nada positivo. O medo pede uma solução simples, messiânica, salvadora.
COUTO, Antônio Emílio Leite (Mia Couto). Sofro com o que o Brasil está passando hoje. [Entrevista concedida a Felipe Machado]. Disponível em: . Acesso em: mai. 2021. Com cortes.
Mia Couto, como é conhecido, em entrevista concedida a Felipe Machado para a revista IstoÉ,