A seguir, apresentam-se três textos sobre os quais versarão a questão.
TEXTO 1
De quem é a responsabilidade afinal?
Por Juliana Benchimol
Não é por acaso que os personagens de Luís Fernando Veríssimo, em sua crônica Lixo (do Livro O analista de Bagé), revelem os hábitos e personalidades do vizinho ao admitirem que vasculham o lixo um do outro. Todos os dias cada brasileiro produz, em média, cerca de 1kg desses resíduos, que desaparecem no momento que são colocados na porta da rua e que revelam muito sobre nós. Ao menos no que diz respeito à abstenção de responsabilidade sobre o seu destino. Como lembra o educador ambiental e consultor da Associação Ecológica Ecomarapendi, Eduardo Bernhardt, “a responsabilidade (em relação ao lixo) começa a partir do momento de decisão da compra”.
Especialistas afirmam que ainda há uma deficiência na visão política quando o assunto é tratado pela mídia e que novas medidas serão necessárias para que a população possa ser crítica o suficiente e compreender as principais problemáticas socioambientais, desde a origem até o destino dos resíduos – processo chamado pelo físico teórico e escritor, Fritjof Capra, de pensamento sistêmico. Ações efetivas, como a redução da produção de lixo doméstico, nasceriam a partir dessa compreensão, nesse caso: de onde vem o produto e para onde vai o resíduo. [...]
E essa prática se estende também aos governos,que não estão sujeitos a medidas legais que os obriguem a destinar, de maneira apropriada, o lixo que geram, a exemplo da implantação de aterros sanitários, ainda insuficientes diante da quantidade de lixões. Nas palavras de Eduardo Bernhardt “a única vantagem que nosso lado otimista pode ver é que, no meio dessa confusão, conseguimos definir que o melhor mesmo é a solução dos 3Rs – reduzir, reaproveitar e reciclar. E só.” [...]
A maioria das cidades ainda está conhecendo a coleta seletiva, afirma Bernhardt, para depois pensar se a implanta ou não, com receio de que seja caro demais. Em 2000, apenas 451 municípios realizavam coleta seletiva, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), e, mesmo assim, ela não ocorria no município todo.“Se o país adotasse uma Política Nacional de resíduos sólidos, ao menos teríamos diretrizes gerais de como encarar o problema do lixo com vistas a resolvê-lo, aumentaríamos os incentivos para a indústria de reciclagem, às cooperativas e catadores, mas, principalmente, poderíamos balizar o caminho com a educação como grande orientadora do processo”, defende Bernhardt. Nesse panorama, a coleta seletiva entra como coadjuvante. “Ela chegou primeiro, mas é a última solução por ordem de racionalidade, praticidade, custo e eficiência”, completa.
As pessoas, no entanto, já começam a olhar o lixo como um problema que podem ajudar a resolver. Segundo o educador ambiental, é uma evolução lenta e silenciosa, mas que está acontecendo. Pouco a pouco as instituições adotam práticas de redução e reaproveitamento. [...]
'“Tudo que consumimos pode ser bem ou mal aproveitado”, lembra o educador ambiental Eduardo Bernhardt. O problema, segundo ele, não é usar, “mas sim o mau uso que se faz”. [...]
In: Com Ciência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico da SBPC, nº 95, de 10/02/2008. Acesso em 26/10/2010. Texto Adaptado.
TEXTO 2
Lixo
Luís Fernando Veríssimo
Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
– Bom dia...
– Bom dia.
– A senhora é do 610.
– E o senhor do 612.
– É.
– Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
– Pois é...
– Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
– O meu quê?
– O seu lixo.
– Ah...
– Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
– Na verdade sou só eu.
– Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
– É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
– Entendo.
– A senhora também...
– Me chame de você.
– Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
– É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
– A senhora... Você não tem família?
– Tenho, mas não aqui.
– No Espírito Santo.
– Como é que você sabe?
– Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
– É. Mamãe escreve todas as semanas.
– Ela é professora?
– Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
– Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
– O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
– Pois é...
– No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
– É.
– Más notícias?
– Meu pai. Morreu.
– Sinto muito.
– Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
– Foi por isso que você recomeçou a fumar?
– Como é que você sabe?
– De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
– É verdade. Mas consegui parar outra vez.
– Eu, graças a Deus, nunca fumei.
– Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
– Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.
– Você brigou com o namorado, certo?
– Isso você também descobriu no lixo?
– Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
– É, chorei bastante, mas já passou.
– Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
– É que eu estou com um pouco de coriza.
– Ah.
– Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
– É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
– Namorada?
– Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
– Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
– Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
– Você já está analisando o meu lixo!
– Não posso negar que o seu lixo me interessou.
– Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la.
Acho que foi a poesia.
– Não! Você viu meus poemas?
– Vi e gostei muito.
– Mas são muito ruins!
– Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado.
Eles só estavam dobrados.
– Se eu soubesse que você ia ler...
– Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
– Acho que não. Lixo é domínio público.
– Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
– Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
– Ontem, no seu lixo....
– O quê?
– Me enganei, ou eram cascas de camarão?
– Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
– Eu adoro camarão.
– Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
– Jantar juntos?
– É.
– Não quero dar trabalho.
– Trabalho nenhum.
– Vai sujar a sua cozinha.
– Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
– No seu lixo ou no meu?
In: VERÍSSIMO, L. F. O analista de Bagé. Porto Alegre: L&PM Editores, 1982.
TEXTO 3
Gramatiquinha
Por Carlos Vogt
Onde vai o bom
vai também o mau
onde cabe o bem
cabe bem o mal
In: Com Ciência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico da SBPC, nº 95, de 10/02/2008. Acesso em 26/10/2010.
A edição da Revista Com Ciência, em que o texto 1 é veiculado, traz, também, o texto 3 – o poema de Carlos Vogt intitulado Gramatiquinha.
Considerando-se essa edição como um contexto em que se inserem ambos os textos, além de outras reportagens e artigos científicos sobre o mesmo tema – "Lixo",