Leia o texto a seguir para responder a questão
Para além da compaixão
[1]Tendemos a acreditar que a compaixão, por si mesma, pode tornar as pessoas mais humanizadas.
Contudo, esse sentimento moral não é confiável por si só. Como os outros animais, o ser humano
geralmente sente compaixão por quem ele conhece, e não por quem ele não conhece. Hoje sabemos que
até criaturas aparentemente simples como os camundongos reagem com desconforto quando veem outros
[5]camundongos, com os quais tenham vivido antes, sofrendo. Porém, o sofrimento de camundongos
desconhecidos não consegue produzir um contágio afetivo que precede a compaixão. Portanto, é provável
que a tendência de dividir o mundo entre os conhecidos e os desconhecidos seja algo profundamente
enraizado em nossa herança evolutiva.
Também podemos recusar a compaixão por outros motivos inaceitáveis; por exemplo, podemos
[10]culpar injustamente a pessoa que está sofrendo por seu infortúnio. Muitas pessoas acreditam que os pobres
atraem a pobreza sobre si por meio da preguiça e da falta de esforço. Consequentemente, embora estejam
muitas vezes enganadas com relação a isso, elas não sentem compaixão pelos pobres.
Esses déficits de compaixão podem se conectar à dinâmica perniciosa do nojo e da vergonha.
Quando determinado subgrupo social é identificado como vergonhoso e nojento, seus membros parecem
[15]inferiores aos membros dominantes, além de muito diferentes deles: primitivos, fedorentos, contaminados e
contaminantes. Torna-se fácil, portanto, excluí-los da compaixão, e fica difícil enxergar o mundo de seu
ponto de vista. Pessoas que sentem muita piedade de outras pessoas de seu grupo (social, racial, religioso
etc.) são capazes de tratar pessoas de grupos diferentes como animais ou objetos.
Em suma, cultivar a compaixão não é por si só suficiente para superar as forças da discriminação,
[20]opressão e subordinação social. A própria compaixão pode se tornar uma aliada do nojo e da vergonha,
fortalecendo a solidariedade entre as elites e distanciando-as ainda mais dos subalternizados. Daí a
necessidade de se cultivar a educação dos sentimentos morais, ampliando os horizontes da compaixão
para além dos limites do grupo conhecido. A capacidade de se colocar no lugar do outro, por mais diferente
que ele seja, é algo que deve ser aprendido.
NUSSBAUM, Martha C. Sem fins lucrativos: por que as democracias precisam das humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
p.38-39. (Adaptado).
O trecho que faz referência ao comportamento dos camundongos utiliza um argumento baseado em