TEXTO
A VOZ DAS EMOÇÕES
Noite morna, vento quente, calor, suor, ofego, sufoco. E cá estou eu maltratando as intimoratas teclas da underwood, catando a voz das emoções mais ocultas. Ontem, fui à tradicional macarronada com galinha à cabidela do vetusto Solar dos Monte. A tarde já ia alta, nas vésperas do anoitecer, meu pai entregoume uma carta na hora do adeus e que ora reproduzo.
Meu filho, hoje quando a velhice me alcança, minando o antes imbatível organismo, resta-me intacta a mente pródiga e a memória onde sepultei amores, ódios, rancores, prazeres.
Sei que um dia tudo estará terminado ou será talvez o começo de uma nova vida? Jamais me preocupei com esta sequência da existência ou não, pois sempre me interessou apenas o que representei no palco desta vida. Eu, você, nossa família, tudo não terá sido uma aventura que a gente só tardiamente reconhece?
Tomo um longo e sôfrego gole de vinho e continuo a ler o maior filósofo vivo da rua Dom Jerônimo:
Sei que não posso me considerar um desses infelizes que nada construíram. Fui, talvez, como um pedreiro que ergue casas, condomínios e não se preocupa em erguer sua própria moradia.
Terei sido um homem bom, solidário com os males dos outros? Emprestei alguma vez os meus braços para ajudar a carregar o peso que esmagava meu companheiro, meu vizinho? Fui um pai presente, afetivo, amoroso e cheio de bondade e compaixão para com meus filhos?
Gostaria, nessa noite de domingo, que você, meu filho, tentasse ou fingisse um perdão por tudo em que mais lhe falhei e magoei. Com o amor de seu pai, Airton Teixeira do Monte.
Engasgado de emoção há tanto tempo represada, acabo de ler a carta do autor de meus dias e sento-me num meio- fio imaginário, abro outra garrafa de vinho e, súbito, desato num choro convulso, um choro despudorado e livre de qualquer ranço de um menino que, noite de Natal, acabou de ver Papai Noel.
(MONTE, Airton. Moça com flor na boca. Fortaleza: editora UFC, 2005)
Sobre a linguagem empregada no texto, podemos afirmar, exceto: