Leia o trecho do texto de Fernando Namora para responder à questão.
Deu-se, por essa altura, um casamento pomposo e, como tal, estava indicada a presença ornamental do médico. Lá fui, sob a promessa de ser acompanhado pelo meu amigo farmacêutico, homem de vagas de gênio que ajudava a vencer os dias ensonados daquele desterro.
Calhou vir também à boda o colega que me precedera no partido médico. Entretanto, a alguns quilômetros, para lá dos barrocais retalhados nas gargantas dos penedos, uma camponesa gemia, havia quatro dias, as dores de parto; e desde que a comadre confessara a inutilidade dos seus préstimos, justificando-se com a criança atravessada no ventre, nada restava fazer, salvo a ciência de um doutor.
A família veio por aí acima, entregue ao passo conformado daqueles heroicos jericos de Monsanto, que galgam e se firmam nos pavorosos declives dos caminhos. Trazia consigo um problema de parto e de cortesia: dois médicos estavam nessa tarde na aldeia, lado a lado, à mesa de uma festança. Um tinha cumprido em dois anos de partos, dores, aflições; o outro era este imberbe João Semana, que nada garantia.
Mas sendo eu o médico da terra – eis a cortesia em jogo – a cadeira pertencia-me, devia ser procurado para o trabalho e para o pago. E a família acabou por correr o risco: seria eu o escolhido. Para mim o transporte do burro, o sobressalto, a ansiedade pelo que poderia acontecer. O meu nervosismo ainda foi atiçado por uma rude prova de franqueza dos campônios: sucedeu que, mal eu chegara junto da esmorecida parturiente, me confessaram, com ressaibos de deferência, as dúvidas que haviam tido na minha escolha.
(Retalhos da vida de um médico, 1970. Adaptado.)
Fernando Namora é um escritor português cujos livros foram escritos no decorrer do século XX, período a que também pertencem o seguinte escritor português e a obra indicada em: