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Pelo menos por hoje
As semanas são todas iguais. Começam na segunda-feira e desfilam seus sete dias na mesma
idêntica sequência, para terminarem à meia-noite de domingo. Aqui, como em qualquer lugar,
como no Japão, do outro lado do globo, em linha reta debaixo dos nossos pés. Sempre a mesma
coisa, uma semana atrás da outra e na frente também, sete dias em fila indiana como elefantes, de
[5] domingo a segunda. E a previsão de mais sete adiante.
Também os dias são todos iguais, menos os dois do fim de semana que são iguais entre si como
irmãos gêmeos, mas não têm nada a ver com os outros. Os dias iguais das semanas iguais começam
todos do mesmo jeito: obrigando a gente a abrir os olhos e a pensar que vai ser preciso levantar. A
partir daí, a rotina dos dias é de uma monotonia espantosa. Café tomado, há que trabalhar, comer,
[10] trabalhar mais, voltar do trabalho, comer novamente – se for possível –, ver televisão e deitar para
dormir na mesma cama da qual fomos expulsos de manhã, sabendo que no dia seguinte abriremos
os olhos que ainda nem acabamos de fechar. Durante essas atividades, nos dedicamos a falar da
própria vida e da alheia, e a despejar nosso lote de queixas a respeito do mundo e da existência.
Todos os dias temos algo de que nos lamentar. Mas, quando interrogados pelas pesquisas de
[15] comportamento, costumamos responder que somos felizes. Os dias, as semanas, os meses somados
formam os anos. Os anos somados formam a vida. A única coisa que de fato muda todos os dias,
embora só o confessemos uma vez por ano, é a idade. E se conseguimos sobreviver ao tédio é
somente porque, sendo iguais, os dias são todos diferentes.
Abrimos os olhos, e nosso GPS interior é acionado automaticamente. O menu do dia anterior passa
[20] pela cabeça no tempo de duas piscadelas, seguido pelo cardápio do dia que começa. Já saímos
da cama programados. O vento soprou em outra direção durante a noite, o clima mudou, ontem
sandálias hoje galochas. E o dia se põe em marcha. Tudo pode acontecer. O encontro que mudará
nossa vida está a caminho, a pessoa que deixará um cão na nossa casa já separou o filhote, uma
surpresa ou um espanto nos espera além da esquina. E porque tudo pode acontecer, seguramos
[25] firme a alça da rotina, daquela rotina aparentemente monótona que nos permite crer que tudo será
como ontem, que a vida continuará sendo como a conhecemos, que nada de ruim nos aguarda,
que, pelo menos por hoje, estamos salvos.
Marina Colasanti Adaptado de marinacolasanti.com, 09/10/2014.
Mais do que conceituar, Marina Colasanti procura reproduzir, por meio da linguagem, o que considera rotina.
Um exemplo de reprodução de ações rotineiras é identificado em: