Questões de Português - Gramática - Morfologia - Classes de palavras
Leia o trecho do ensaio “Ondulações paranoides de uma época”, de Pascal Dibie, para responder à questão.
Meu fascínio pela juventude atual, movida por aquilo que podemos chamar de natureza cibernética, está ligado ao fato de que ela nos escapa sem precisar fugir nem se esconder. Os jovens são capazes de partir, sob nossos olhos, para lugares projetados apenas por eles, aos quais não temos verdadeiramente acesso. Nós, os adultos de hoje, não temos disciplina e, talvez, nem mesmo concentração para entrar na medida cibernética. Isso não impede que a informática seja para as nossas crianças um prolongamento indispensável ao seu equilíbrio e à apreensão do mundo no qual elas vivem.
Parece evidente que as crianças de hoje não repetem mais os nossos jogos em grupo; jogos que se pareciam com aqueles que nossos pais tinham eles mesmos repetido de seus pais: bichinhos de massa de modelar, vida da fazenda, soldadinhos, jogos de montar, trens elétricos, etc., enfim, todos os brinquedos saídos do neolítico, explicitamente desinteressantes para crianças de 4 ou 5 anos que já usam o computador só com um dedo.
Idem para nossas exigências domésticas: as crianças parecem cada vez menos compreender as razões que nos levam a sentar à mesa em horas fixas (isso se chamava “comensalidade”), a mandá-las dormir cedo (era uma questão de higiene de vida). Enfim, as crianças resistem às nossas tentativas de impor a elas um ritmo de vida familiar que fazia parte da normalidade que limitava nossa própria infância; ritmos (e pais) um pouco tirânicos — falo dos anos 1960.
Elas entraram em um futuro quase alcançável, no qual as noções de tempo e de espaço foram definitivamente embaralhadas. As “cibercrianças” inventam novas formas de solidariedade e organizam-se em comunidades lúdicas numa escala que chega a ser planetária. No universo dos jogos em rede, as crianças ficam sentadas durante horas para resolver um enigma e, de passagem, livrar-se de armadilhas, tomar decisões a todo instante, preencher vazios de informação, enfim, explorar a lógica da simulação. Temos de reconhecer que, durante tais atividades, essas crianças desenvolvem operações cognitivas extremamente complexas, certamente mais complexas do que aquelas que tínhamos de resolver na idade delas.
(https://artepensamento.com.br. Adaptado.)
Mantêm-se a correção gramatical e a coerência caso se substitua o trecho sublinhado em “as crianças parecem cada vez menos compreender as razões que nos levam a sentar à mesa em horas fixas” (3º parágrafo) pelo que se encontra em:
A importância do ato de ler
Paulo Freire
Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prática pedagógica, por isso política, em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros ou congressos. Aceitei fazê-la agora, da maneira, porém, menos formal possível. Aceitei vir aqui para falar um pouco da importância do ato de ler.
Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento mesmo em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado - e até gostosamente - a "reler" momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo.
Ao ir escrevendo este texto, ia "tomando distância” dos diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que me movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo”.
A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia - e até onde não sou traído pela memória -, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e revivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós - à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores.
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço - o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. [...] Os "textos", as "palavras”, as "letras” daquele contexto - em cuja percepção experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber - se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais.
Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros - o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores - das rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos. [...]
Daquele contexto faziam parte igualmente os animais: os gatos da família, a sua maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mau humor toda vez que um dos gatos incautamente se aproximava demasiado do lugar em que se achava comendo [...].
Daquele contexto - o do meu mundo imediato - fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores. Tudo isso ligado a contextos mais amplos que o do meu mundo imediato e de cuja existência eu não podia sequer suspeitar. No esforço de re-tomar a infância distante, a que já me referi, buscando a compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia, permitam-me repetir, re-crio, re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. E algo que me parece importante, no contexto geral de que venho falando, emerge agora insinuando a sua presença no corpo destas reflexões. [...]
Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse significado malquerenças ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra.
A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. Por isso é que, ao chegar à escolinha particular de Eunice Vasconcelos [...] já estava alfabetizado. Eunice continuou e aprofundou o trabalho de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a "leitura" do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da “palavramundo”.
Atente para o excerto:
Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prática pedagógica, por isso política, em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros ou congressos. Aceitei fazê-la agora, da maneira, porém, menos formal possível. Aceitei vir aqui para falar um pouco da importância do ato de ler.
Sobre ele, a afirmação CORRETA encontra-se na opção:
Em relação à frase “... Macunaíma correu pela praia e pranteou-se.”, é CORRETO afirmar que:
Para responder à questão, leia o trecho do livro O mundo assombrado pelos demônios, de Carl Sagan, publicado originalmente em 1995.
A ciência e a tecnologia não são apenas cornucópias1 despejando dádivas sobre o mundo. Os cientistas não só conceberam as armas nucleares; eles também pegaram os líderes políticos pela lapela, argumentando que a sua nação tinha que ser a primeira a fabricar uma dessas armas. E assim eles produziram mais de 60 mil armas nucleares. Durante a Guerra Fria, os cientistas nos Estados Unidos, na União Soviética, na China e em outras nações estavam dispostos a expor os seus conterrâneos à radiação — na maioria dos casos, sem o conhecimento deles — a fim de se preparar para a guerra nuclear. A nossa tecnologia produziu a talidomida, os CFCs, o agente laranja, os gases que atacam o sistema nervoso, a poluição do ar e da água, as extinções de espécies, e indústrias tão poderosas que podem arruinar o clima do planeta. Aproximadamente metade dos cientistas na Terra dedica parte de seu tempo de trabalho para fins militares. Embora alguns cientistas ainda sejam vistos como estranhos ao sistema, criticando corajosamente os males da sociedade e dando os primeiros avisos sobre catástrofes tecnológicas potenciais, muitos são considerados oportunistas submissos ou uma fonte complacente de lucros empresariais e de armas de destruição em massa - não importa quais sejam as consequências a longo prazo. Os perigos tecnológicos que a ciência apresenta, seu desafio implícito ao conhecimento recebido e sua visível dificuldade são razões para que as pessoas, desconfiadas, a evitem. Existe uma razão para as pessoas ficarem nervosas a respeito da ciência e da tecnologia.
(O mundo assombrado pelos demônios, 2006. Adaptado.)
1cornucópia: vaso em forma de chifre, com frutas e flores que dele extravasam profusamente, antigo símbolo da fertilidade, riqueza, abundância.
Retoma um termo mencionado anteriormente no texto a palavra sublinhada em:
Os linguistas têm notado a expansão do tratamento informal. “Tenho 78 anos e devia ser tratado por senhor, mas meus alunos mais jovens me tratam por você”, diz o professor Ataliba Castilho, aparentemente sem se incomodar com a informalidade, inconcebível em seus tempos de estudante. O você, porém, não reinará sozinho. O tu predomina em Porto Alegre e convive com o você no Rio de Janeiro e em Recife, enquanto você é o tratamento predominante em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. O tu já era mais próximo e menos formal que você nas quase 500 cartas do acervo on-line de uma instituição universitária, quase todas de poetas, políticos e outras personalidades do final do século XIX e início do XX.
Disponível em hap irevatapesquisa fapesp br Acesso em 21 aér 2015 (adaptado)
No texto, constata-se que os usos de pronomes variaram ao longo do tempo e que atualmente têm empregos diversos pelas regiões do Brasil.
Esse processo revela que
Texto
Compartilhando água
Uma das riquezas do Brasil é a água em abun-
dância, nosso Ouro Azul. O que o senso comum não
se dá conta é o porquê de termos água em abun-
dância. E, diga-se de passagem, que vários Brasis
[5] já não têm tanta água assim, e alguns nunca tiveram
desde o tempo da colonização.
Vamos começar por aí. O Brasil não é extrema-
mente rico em água. A Amazônia é, o Pantanal é,
mas a Mata Atlântica – onde vivem cerca de 70% dos
[10] brasileiros – está deixando de ser
Agora, por que o Brasil é rico em água? Primeiro,
por causa da Bacia Amazônica e por suas comple-
xas interações entre o ecossistema amazônico e a
“produção de água”. A vegetação, especialmente a
[15] nativa, tem enorme importância na transpiração e na
diminuição do escoamento superficial das chuvas. E,
se uma de nossas riquezas é a água em abundância,
como fazemos para compartilhá-la? Aí é que começa
o conflito. O ser humano não é hábil em compartilhar,
[20] e, quando se trata de um bem tão precioso, os ânimos
se acirram.
Em primeiro lugar, quando falamos de compar-
tilhamento, estamos falando de toda a água consu-
mida mundialmente no setor produtivo. O consumo
[25] doméstico, tanto no Brasil quanto no resto do mundo,
é de apenas aproximadamente 10% da água disponí-
vel. Os 90% restantes vão para a indústria. Isso quer
dizer que o grande volume de água consumida está
direcionado para o setor produtivo.
[30] Em termos internacionais, quem detém água
detém alimentos; e nações dependentes de impor-
tação para alimentação estão em forte desvantagem
na geopolítica. Se por um lado a transferência virtual
de água pode ser vista como instrumento de pressão
[35] geopolítica, por outro, pode também ser vista como
solução para otimizar o consumo hídrico no planeta.
O mesmo dilema pelo qual passa o comércio interna-
cional globalizado.
Um território sem água se torna inviável para
[40] viver. Enormes conflitos surgem de maneira seme-
lhante aos da exploração de fontes de água por
grandes indústrias. As grandes alterações na pai-
sagem ocasionadas pela construção de barragens
hidroelétricas ou para abastecimento trazem perdas
[45] irreparáveis para o ecossistema e as comunidades
humanas locais.
Como multiplicar essa riqueza? Sim, porque pen-
sar riqueza apenas em termos de gastar o que se tem
(o uso) não é sustentável no sentido mais simples do
[50] termo. Um antigo provérbio árabe já dizia: “confie em
Alah, mas amarre seu camelo.” Ou seja, há em uma
boa parte do Brasil e da América do Sul excelentes
condições de disponibilidade hídrica, e é uma questão
de governança gerenciar esse recurso para benefício
[55] das presentes e futuras gerações.
FIGUEIREDO, Carlos Augusto. Agência Envolverde Jornalismo. Carta Capital. 21/03/2018. Disponível em: http://envolverde. cartacapital.com.br/agua-em-discussao-ouro-azul-nao-e-ouro- -de-tolo/. Acesso em: 29 jan. 2019. Adaptado.
Com relação ao Texto, a palavra a que se refere o termo destacado está corretamente explicitada entre colchetes em:
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