Questões
Você receberá a resposta de cada questão assim que responder, e NÃO terá estatísticas ao finalizar sua prova.
Responda essa prova como se fosse um simulado, e veja suas estatísticas no final, clique em Modo Prova
Um filme nacional de 2003 − Os narradores de
Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício
ameaçado de ser inundado por uma grande represa.
Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não
[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en -
contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co -
mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma
cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re -
cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como
[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun -
cia da naquela específica cena, evidencia o quanto
deixou há muito de ser um termo técnico, especiali -
zado, vinculado a um saber e a uma política formal,
para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora
[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a
não reconhecimento: a reivindicação de posse de um
patrimônio é uma demanda de visibilidade.
Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser
considerados de valor histórico, os narradores de
[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias,
seu mito de fundação, um patrimônio que hoje
chamamos imaterial, ou intangível.
O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor -
nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou:
[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo -
lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica -
ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva
“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz
a legado, herança − e não por acaso o termo em
[30] inglês é exatamente este: heritage.
No filme citado não bastava reconhecer algo
importante: era preciso escrever, anotar, identificar
– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que
pode transmutar os relatos, as estórias passadas em
[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio”
− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri -
mônio não é uma representação coletiva como outra
qualquer, e sim uma prática constituída por um pro -
cesso de atribuição de um valor, que deve ser re -
[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em
outras palavras, patrimônio histórico remete a polí -
ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera
pública.
Os grupos sociais atribuem valores distintos
[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas
territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem,
classificam − o ambiente que os rodeia, destacam
passagens de sua história comum, de um passado
coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala -
[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso
que se trata: de um conjunto de bens materiais ou
imateriais fruto de uma decisão que partiu da
identificação de algo que merecia ser destacado,
retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da
[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse
bem chama-se bem patrimonial.
O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é
corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas
pode ser também um lugar compartilhado, um ponto
[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con -
tu do, não estamos diante de um fenômeno universal,
tampouco permanente. Na França, preocupações
com patrimônio ou, para usar um termo então uti -
lizado, com monumentos tiveram início após a Revo -
[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução
Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza -
ção moderna percebida como sem raízes se voltavam
para um passado préindustrial, localizado na
arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri -
[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou
a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve
início na nada revolucionária Primeira República
(1889-1930), quando cidades passavam por
reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo”
[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no
começo do século XX −, e consolidou-se no Estado
Novo.
(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393)
É correto o seguinte comentário: no texto, a autora
Um filme nacional de 2003 − Os narradores de
Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício
ameaçado de ser inundado por uma grande represa.
Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não
[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en -
contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co -
mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma
cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re -
cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como
[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun -
cia da naquela específica cena, evidencia o quanto
deixou há muito de ser um termo técnico, especiali -
zado, vinculado a um saber e a uma política formal,
para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora
[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a
não reconhecimento: a reivindicação de posse de um
patrimônio é uma demanda de visibilidade.
Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser
considerados de valor histórico, os narradores de
[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias,
seu mito de fundação, um patrimônio que hoje
chamamos imaterial, ou intangível.
O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor -
nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou:
[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo -
lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica -
ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva
“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz
a legado, herança − e não por acaso o termo em
[30] inglês é exatamente este: heritage.
No filme citado não bastava reconhecer algo
importante: era preciso escrever, anotar, identificar
– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que
pode transmutar os relatos, as estórias passadas em
[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio”
− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri -
mônio não é uma representação coletiva como outra
qualquer, e sim uma prática constituída por um pro -
cesso de atribuição de um valor, que deve ser re -
[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em
outras palavras, patrimônio histórico remete a polí -
ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera
pública.
Os grupos sociais atribuem valores distintos
[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas
territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem,
classificam − o ambiente que os rodeia, destacam
passagens de sua história comum, de um passado
coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala -
[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso
que se trata: de um conjunto de bens materiais ou
imateriais fruto de uma decisão que partiu da
identificação de algo que merecia ser destacado,
retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da
[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse
bem chama-se bem patrimonial.
O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é
corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas
pode ser também um lugar compartilhado, um ponto
[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con -
tu do, não estamos diante de um fenômeno universal,
tampouco permanente. Na França, preocupações
com patrimônio ou, para usar um termo então uti -
lizado, com monumentos tiveram início após a Revo -
[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução
Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza -
ção moderna percebida como sem raízes se voltavam
para um passado préindustrial, localizado na
arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri -
[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou
a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve
início na nada revolucionária Primeira República
(1889-1930), quando cidades passavam por
reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo”
[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no
começo do século XX −, e consolidou-se no Estado
Novo.
(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393)
O parágrafo 4 permite a seguinte conclusão:
Um filme nacional de 2003 − Os narradores de
Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício
ameaçado de ser inundado por uma grande represa.
Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não
[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en -
contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co -
mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma
cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re -
cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como
[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun -
cia da naquela específica cena, evidencia o quanto
deixou há muito de ser um termo técnico, especiali -
zado, vinculado a um saber e a uma política formal,
para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora
[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a
não reconhecimento: a reivindicação de posse de um
patrimônio é uma demanda de visibilidade.
Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser
considerados de valor histórico, os narradores de
[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias,
seu mito de fundação, um patrimônio que hoje
chamamos imaterial, ou intangível.
O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor -
nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou:
[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo -
lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica -
ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva
“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz
a legado, herança − e não por acaso o termo em
[30] inglês é exatamente este: heritage.
No filme citado não bastava reconhecer algo
importante: era preciso escrever, anotar, identificar
– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que
pode transmutar os relatos, as estórias passadas em
[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio”
− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri -
mônio não é uma representação coletiva como outra
qualquer, e sim uma prática constituída por um pro -
cesso de atribuição de um valor, que deve ser re -
[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em
outras palavras, patrimônio histórico remete a polí -
ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera
pública.
Os grupos sociais atribuem valores distintos
[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas
territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem,
classificam − o ambiente que os rodeia, destacam
passagens de sua história comum, de um passado
coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala -
[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso
que se trata: de um conjunto de bens materiais ou
imateriais fruto de uma decisão que partiu da
identificação de algo que merecia ser destacado,
retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da
[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse
bem chama-se bem patrimonial.
O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é
corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas
pode ser também um lugar compartilhado, um ponto
[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con -
tu do, não estamos diante de um fenômeno universal,
tampouco permanente. Na França, preocupações
com patrimônio ou, para usar um termo então uti -
lizado, com monumentos tiveram início após a Revo -
[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução
Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza -
ção moderna percebida como sem raízes se voltavam
para um passado préindustrial, localizado na
arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri -
[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou
a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve
início na nada revolucionária Primeira República
(1889-1930), quando cidades passavam por
reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo”
[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no
começo do século XX −, e consolidou-se no Estado
Novo.
(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393)
Consideradas as linhas iniciais do texto, afirma-se com correção:
Um filme nacional de 2003 − Os narradores de
Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício
ameaçado de ser inundado por uma grande represa.
Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não
[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en -
contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co -
mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma
cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re -
cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como
[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun -
cia da naquela específica cena, evidencia o quanto
deixou há muito de ser um termo técnico, especiali -
zado, vinculado a um saber e a uma política formal,
para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora
[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a
não reconhecimento: a reivindicação de posse de um
patrimônio é uma demanda de visibilidade.
Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser
considerados de valor histórico, os narradores de
[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias,
seu mito de fundação, um patrimônio que hoje
chamamos imaterial, ou intangível.
O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor -
nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou:
[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo -
lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica -
ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva
“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz
a legado, herança − e não por acaso o termo em
[30] inglês é exatamente este: heritage.
No filme citado não bastava reconhecer algo
importante: era preciso escrever, anotar, identificar
– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que
pode transmutar os relatos, as estórias passadas em
[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio”
− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri -
mônio não é uma representação coletiva como outra
qualquer, e sim uma prática constituída por um pro -
cesso de atribuição de um valor, que deve ser re -
[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em
outras palavras, patrimônio histórico remete a polí -
ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera
pública.
Os grupos sociais atribuem valores distintos
[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas
territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem,
classificam − o ambiente que os rodeia, destacam
passagens de sua história comum, de um passado
coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala -
[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso
que se trata: de um conjunto de bens materiais ou
imateriais fruto de uma decisão que partiu da
identificação de algo que merecia ser destacado,
retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da
[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse
bem chama-se bem patrimonial.
O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é
corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas
pode ser também um lugar compartilhado, um ponto
[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con -
tu do, não estamos diante de um fenômeno universal,
tampouco permanente. Na França, preocupações
com patrimônio ou, para usar um termo então uti -
lizado, com monumentos tiveram início após a Revo -
[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução
Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza -
ção moderna percebida como sem raízes se voltavam
para um passado préindustrial, localizado na
arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri -
[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou
a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve
início na nada revolucionária Primeira República
(1889-1930), quando cidades passavam por
reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo”
[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no
começo do século XX −, e consolidou-se no Estado
Novo.
(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393)
...em uma metáfora poderosa, submersão equivale a esquecimento e a não reconhecimento: a reivindicação de posse de um patrimônio é uma demanda de visibilidade. Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser con - siderados de valor histórico, os narradores de Javé só podem recordar e reinventar suas histórias, seu mito de fun dação, um patrimônio que hoje chamamos imaterial, ou intangível.
Sobre o que se tem no acima transcrito, em seu contexto, comenta-se com propriedade:
Um filme nacional de 2003 − Os narradores de
Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício
ameaçado de ser inundado por uma grande represa.
Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não
[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en -
contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co -
mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma
cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re -
cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como
[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun -
cia da naquela específica cena, evidencia o quanto
deixou há muito de ser um termo técnico, especiali -
zado, vinculado a um saber e a uma política formal,
para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora
[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a
não reconhecimento: a reivindicação de posse de um
patrimônio é uma demanda de visibilidade.
Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser
considerados de valor histórico, os narradores de
[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias,
seu mito de fundação, um patrimônio que hoje
chamamos imaterial, ou intangível.
O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor -
nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou:
[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo -
lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica -
ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva
“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz
a legado, herança − e não por acaso o termo em
[30] inglês é exatamente este: heritage.
No filme citado não bastava reconhecer algo
importante: era preciso escrever, anotar, identificar
– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que
pode transmutar os relatos, as estórias passadas em
[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio”
− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri -
mônio não é uma representação coletiva como outra
qualquer, e sim uma prática constituída por um pro -
cesso de atribuição de um valor, que deve ser re -
[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em
outras palavras, patrimônio histórico remete a polí -
ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera
pública.
Os grupos sociais atribuem valores distintos
[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas
territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem,
classificam − o ambiente que os rodeia, destacam
passagens de sua história comum, de um passado
coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala -
[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso
que se trata: de um conjunto de bens materiais ou
imateriais fruto de uma decisão que partiu da
identificação de algo que merecia ser destacado,
retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da
[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse
bem chama-se bem patrimonial.
O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é
corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas
pode ser também um lugar compartilhado, um ponto
[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con -
tu do, não estamos diante de um fenômeno universal,
tampouco permanente. Na França, preocupações
com patrimônio ou, para usar um termo então uti -
lizado, com monumentos tiveram início após a Revo -
[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução
Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza -
ção moderna percebida como sem raízes se voltavam
para um passado préindustrial, localizado na
arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri -
[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou
a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve
início na nada revolucionária Primeira República
(1889-1930), quando cidades passavam por
reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo”
[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no
começo do século XX −, e consolidou-se no Estado
Novo.
(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393)
No parágrafo 2, o segmento qualificações comumente subsumidas sob o guarda-chuva “cultural” explica um tipo de relação que se estabelece entre palavras do texto. Observe-se o fenômeno de “qualificação subsumida sob um guarda-chuva”. Ele é reconhecível, na devida ordem, na relação entre
Um filme nacional de 2003 − Os narradores de
Javé, de Eliane Caffé − mostra um vilarejo fictício
ameaçado de ser inundado por uma grande represa.
Pobres e esquecidos por todos, seus habitantes não
[5] sabem como se defender, até que uma voz parece en -
contrar a solução: Javé precisa ser reconhecida co -
mo “patrimônio”, pois assim não se tornaria uma
cidade submersa. Duas dimensões dessa fala me re -
cem ser assinaladas: “patrimônio” aparece como
[10] um recurso e uma reivindicação; a palavra, enun -
cia da naquela específica cena, evidencia o quanto
deixou há muito de ser um termo técnico, especiali -
zado, vinculado a um saber e a uma política formal,
para se tornar um lugar-comum; em uma metáfora
[15] poderosa, submersão equivale a esquecimento e a
não reconhecimento: a reivindicação de posse de um
patrimônio é uma demanda de visibilidade.
Desprovidos de recursos materiais que pudessem ser
considerados de valor histórico, os narradores de
[20] Javé só podem recordar e reinventar suas histórias,
seu mito de fundação, um patrimônio que hoje
chamamos imaterial, ou intangível.
O termo “patrimônio”, do latim pater, pai, tor -
nou-se corriqueiro e sua adjetivação se espraiou:
[25] patrimônio pode ser histórico, ambiental, arqueo -
lógico, artístico, material, imaterial etc., qualifica -
ções comumente subsumidas sob o guarda-chuva
“cultural”. A remissão a pai, patriarca, nos conduz
a legado, herança − e não por acaso o termo em
[30] inglês é exatamente este: heritage.
No filme citado não bastava reconhecer algo
importante: era preciso escrever, anotar, identificar
– e passar adiante. Esse conjunto de práticas é o que
pode transmutar os relatos, as estórias passadas em
[35] conversas informais e os costumes em “patrimônio”
− da cidade, de um grupo, região ou nação. Patri -
mônio não é uma representação coletiva como outra
qualquer, e sim uma prática constituída por um pro -
cesso de atribuição de um valor, que deve ser re -
[40] conhecido por um grupo disposto a conservá-lo. Em
outras palavras, patrimônio histórico remete a polí -
ticas públicas ou a ações que têm lugar na esfera
pública.
Os grupos sociais atribuem valores distintos
[45] aos seus bens materiais, suas memórias, suas marcas
territoriais; nomeiam − e desse modo distinguem,
classificam − o ambiente que os rodeia, destacam
passagens de sua história comum, de um passado
coletivo, elegem paisagens. Por isso, quando fala -
[50] mos em patrimônio (histórico, cultural etc.), é disso
que se trata: de um conjunto de bens materiais ou
imateriais fruto de uma decisão que partiu da
identificação de algo que merecia ser destacado,
retirado de certo fluxo corriqueiro das coisas, da
[55] rotina cotidiana: um bem tido como especial. A esse
bem chama-se bem patrimonial.
O termo é hoje lugar-comum, em duplo sentido: é
corriqueiro, parece estar no discurso de todos, mas
pode ser também um lugar compartilhado, um ponto
[60] de encontro de saberes, disciplinas e políticas. Con -
tu do, não estamos diante de um fenômeno universal,
tampouco permanente. Na França, preocupações
com patrimônio ou, para usar um termo então uti -
lizado, com monumentos tiveram início após a Revo -
[65] lução Francesa; na Inglaterra, em meio à Revolução
Industrial, vitorianos que denunciavam uma civiliza -
ção moderna percebida como sem raízes se voltavam
para um passado préindustrial, localizado na
arquitetura. No Brasil, a descoberta de um patri -
[70] mônio na iminência de ser perdido não se vinculou
a revolução de qualquer tipo: foi um debate que teve
início na nada revolucionária Primeira República
(1889-1930), quando cidades passavam por
reformas urbanas pautadas por um “bota abaixo”
[75] − como ocorreu no Rio de Janeiro e no Recife no
começo do século XX −, e consolidou-se no Estado
Novo.
(Adaptado de: RUBINO, Silvana. Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso. In: Agenda bra sileira: temas de uma sociedade em mudança. Orgs. André Botelho, Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 392 e 393)
Considerados os parágrafos 2 e 3, em seu contexto, afirma-se corretamente: No processo de argumentação,