Questões
Você receberá a resposta de cada questão assim que responder, e NÃO terá estatísticas ao finalizar sua prova.
Responda essa prova como se fosse um simulado, e veja suas estatísticas no final, clique em Modo Prova
Este texto é de Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Foi publicado na Folha de S. Paulo em 15 de abril de 2014. Leia-o para responder a questão.
Quem é menino e quem é menina
“Eu, Mamãe e os Meninos”, escrito, dirigido e interpretado por Guillaume Gallienne, é uma boa ocasião para pensar sorrindo.
No filme, que foi um grande sucesso na França (ganhou cinco prêmios César), Gallienne conta sua história: a de um jovem que cresceu, digamos assim, “efeminado”, porque a mãe esperava que ele fosse a filha que ela não teve — é difícil não responder a essa expectativa, e o menino acaba procurando na mãe seu maior, se não único modelo.
O título original francês é o grito da mãe: “Os meninos e Guillaume, para mesa!” — deixando claro que, para ela, Guillaume não fazia parte do conjunto dos meninos.
Na saída do cinema, várias questões (garanto: sem spoiler).
1) Guillaume cresce convencido de ser uma menina. Ele prefere tocar piano e conversar a praticar equitação, caça ou qualquer esporte. Mas essa identidade de menina é um estereótipo criado e imposto pela mãe — uma espécie de contraveneno que ela usa para se proteger dos filhos (“os meninos”) e do marido. De fato, há maneiras de ser menina muito diferentes da que a mãe de Guillaume parece destinar ao seu filho.
2) A obra (hoje esgotada) de Elena Gianini Belotti (1973) sobre a “fabricação” das identidades de gênero continua importante. Tudo bem, Guillaume é o efeito (a vítima?) do desejo de sua mãe, que quer uma filha. Mas pergunto: “os meninos”, dos quais ele não faz parte, será que eles não são as vítimas do desejo do pai deles, que quer dois filhos? Será que é “natural” para menino preferir o rugby à leitura de Jane Austen? Ou será que essas preferências dos meninos, no fundo, são tão forçadas (pela expectativa do pai) quanto as preferências que Guillaume deve à influência de sua mãe?
3) A história de Guillaume ilustra o poder extraordinário (embora não ilimitado — como o filme mostra) da palavra e do desejo maternos na hora de inventarmos e construirmos nossas identificações e nossos hábitos. De onde vem esse poder? A mãe, em tese, é a que está lá desde o começo, e há uma chantagem de fato, implícita, inevitável: no início da vida, nenhum amor parece tão necessário quanto o materno — para sobreviver, simplesmente. Então, melhor que a mãe goste da gente, não é?
4) Em geral, acreditamos adquirir hábitos sem querer, à força de repetir comportamentos convenientes, esperados etc. Mas esse “sem querer” é quase sempre aparente: frequentemente, adquirimos hábitos por um treino proposital — como alguém que, na primeira tragada, não quisesse começar a fumar, mas se tornar desde já fumante e, logo, queimasse um maço por dia, mesmo não gostando, “para se acostumar”.
Na internet, há milhares de vídeos de “treino” de vários comportamentos sexuais. Não são vídeos explicativos (tipo: faça assim, pegue por baixo ou se deixe pegar por cima), mas declaradamente “hipnóticos”: a pretensão é que, ao contemplá-los, você seja sugestionado (geralmente, eles propõem uma rápida sucessão de imagens com o fundo sonoro de uma voz cativante). Por que alguém precisaria ser sugestionado para realizar atos que correspondem ao que ele deseja?
Fácil: desejamos coisas que, às vezes, o pudor, o desgosto ou o medo não nos permitem realizar — coisas que povoam nossos devaneios, mas contra as quais resistimos tudo o que podemos. Os vídeos hipnóticos prometem isto: você se tornará capaz de fazer o que você deseja e não consegue se permitir.
Curiosamente, a maior categoria de vídeos hipnóticos na net talvez seja a dos vídeos para homens que queiram se “feminizar”, ou seja, se permitir os hábitos sexualmente mais passivos possíveis (“sissyfication”, é a palavra-chave).
Esses vídeos não convertem ninguém. Eles só têm interesse para quem já deseja intensamente o que eles mostram; mesmo nesse caso, não sei se eles ajudam alguém a ultrapassar as inibições que o impedem de realizar seus devaneios.
Mas a simples existência desses vídeos mostra que adoramos encontrar nossos próprios desejos sob forma de ordens que vêm de fora: por favor, alguém me mande fazer o que quero fazer e não consigo me autorizar a fazer. É um padrão que explica muitas coisas: desde a complacência com ordens que poderiam (e deveriam) ter sido desobedecidas até a facilidade com a qual acusamos as mães (sempre elas) por ter nos mandado desejar “o que não queríamos”. Será mesmo que não queríamos?
Analise estes itens, julgando-os como verdadeiros ou como falsos.
I. O autor considera como indevidos o modo como as mães interferem no comportamento sexual de seus filhos e o modo como os filhos lidam com as frustrações decorrentes das imposições maternas.
II. O autor submente à crítica o fato de um indivíduo buscar em situações externas as justificativas para a manifestação de seus desejos ou para a repressão deles.
III. O autor sustenta suas opiniões sobre os desejos não manifestos de um indivíduo por meio de exemplos que mostram desvios sexuais decorrentes da repressão promovida pelas mães e pelos pais.
IV. O autor tem no filme Eu, Mamãe e os Meninos um pretexto a seus julgamentos sobre questões referentes à formação da identidade, à construção de hábitos e à manifestação dos desejos de um indivíduo.
É CORRETO apenas o que se afirma em
Este texto é de Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Foi publicado na Folha de S. Paulo em 15 de abril de 2014. Leia-o para responder a questão.
Quem é menino e quem é menina
“Eu, Mamãe e os Meninos”, escrito, dirigido e interpretado por Guillaume Gallienne, é uma boa ocasião para pensar sorrindo.
No filme, que foi um grande sucesso na França (ganhou cinco prêmios César), Gallienne conta sua história: a de um jovem que cresceu, digamos assim, “efeminado”, porque a mãe esperava que ele fosse a filha que ela não teve — é difícil não responder a essa expectativa, e o menino acaba procurando na mãe seu maior, se não único modelo.
O título original francês é o grito da mãe: “Os meninos e Guillaume, para mesa!” — deixando claro que, para ela, Guillaume não fazia parte do conjunto dos meninos.
Na saída do cinema, várias questões (garanto: sem spoiler).
1) Guillaume cresce convencido de ser uma menina. Ele prefere tocar piano e conversar a praticar equitação, caça ou qualquer esporte. Mas essa identidade de menina é um estereótipo criado e imposto pela mãe — uma espécie de contraveneno que ela usa para se proteger dos filhos (“os meninos”) e do marido. De fato, há maneiras de ser menina muito diferentes da que a mãe de Guillaume parece destinar ao seu filho.
2) A obra (hoje esgotada) de Elena Gianini Belotti (1973) sobre a “fabricação” das identidades de gênero continua importante. Tudo bem, Guillaume é o efeito (a vítima?) do desejo de sua mãe, que quer uma filha. Mas pergunto: “os meninos”, dos quais ele não faz parte, será que eles não são as vítimas do desejo do pai deles, que quer dois filhos? Será que é “natural” para menino preferir o rugby à leitura de Jane Austen? Ou será que essas preferências dos meninos, no fundo, são tão forçadas (pela expectativa do pai) quanto as preferências que Guillaume deve à influência de sua mãe?
3) A história de Guillaume ilustra o poder extraordinário (embora não ilimitado — como o filme mostra) da palavra e do desejo maternos na hora de inventarmos e construirmos nossas identificações e nossos hábitos. De onde vem esse poder? A mãe, em tese, é a que está lá desde o começo, e há uma chantagem de fato, implícita, inevitável: no início da vida, nenhum amor parece tão necessário quanto o materno — para sobreviver, simplesmente. Então, melhor que a mãe goste da gente, não é?
4) Em geral, acreditamos adquirir hábitos sem querer, à força de repetir comportamentos convenientes, esperados etc. Mas esse “sem querer” é quase sempre aparente: frequentemente, adquirimos hábitos por um treino proposital — como alguém que, na primeira tragada, não quisesse começar a fumar, mas se tornar desde já fumante e, logo, queimasse um maço por dia, mesmo não gostando, “para se acostumar”.
Na internet, há milhares de vídeos de “treino” de vários comportamentos sexuais. Não são vídeos explicativos (tipo: faça assim, pegue por baixo ou se deixe pegar por cima), mas declaradamente “hipnóticos”: a pretensão é que, ao contemplá-los, você seja sugestionado (geralmente, eles propõem uma rápida sucessão de imagens com o fundo sonoro de uma voz cativante). Por que alguém precisaria ser sugestionado para realizar atos que correspondem ao que ele deseja?
Fácil: desejamos coisas que, às vezes, o pudor, o desgosto ou o medo não nos permitem realizar — coisas que povoam nossos devaneios, mas contra as quais resistimos tudo o que podemos. Os vídeos hipnóticos prometem isto: você se tornará capaz de fazer o que você deseja e não consegue se permitir.
Curiosamente, a maior categoria de vídeos hipnóticos na net talvez seja a dos vídeos para homens que queiram se “feminizar”, ou seja, se permitir os hábitos sexualmente mais passivos possíveis (“sissyfication”, é a palavra-chave).
Esses vídeos não convertem ninguém. Eles só têm interesse para quem já deseja intensamente o que eles mostram; mesmo nesse caso, não sei se eles ajudam alguém a ultrapassar as inibições que o impedem de realizar seus devaneios.
Mas a simples existência desses vídeos mostra que adoramos encontrar nossos próprios desejos sob forma de ordens que vêm de fora: por favor, alguém me mande fazer o que quero fazer e não consigo me autorizar a fazer. É um padrão que explica muitas coisas: desde a complacência com ordens que poderiam (e deveriam) ter sido desobedecidas até a facilidade com a qual acusamos as mães (sempre elas) por ter nos mandado desejar “o que não queríamos”. Será mesmo que não queríamos?
Assinale a alternativa que faz uma leitura CORRETA do recurso sintático e/ou textual sublinhado no fragmento selecionado.
Este texto é de Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Foi publicado na Folha de S. Paulo em 15 de abril de 2014. Leia-o para responder a questão.
Quem é menino e quem é menina
“Eu, Mamãe e os Meninos”, escrito, dirigido e interpretado por Guillaume Gallienne, é uma boa ocasião para pensar sorrindo.
No filme, que foi um grande sucesso na França (ganhou cinco prêmios César), Gallienne conta sua história: a de um jovem que cresceu, digamos assim, “efeminado”, porque a mãe esperava que ele fosse a filha que ela não teve — é difícil não responder a essa expectativa, e o menino acaba procurando na mãe seu maior, se não único modelo.
O título original francês é o grito da mãe: “Os meninos e Guillaume, para mesa!” — deixando claro que, para ela, Guillaume não fazia parte do conjunto dos meninos.
Na saída do cinema, várias questões (garanto: sem spoiler).
1) Guillaume cresce convencido de ser uma menina. Ele prefere tocar piano e conversar a praticar equitação, caça ou qualquer esporte. Mas essa identidade de menina é um estereótipo criado e imposto pela mãe — uma espécie de contraveneno que ela usa para se proteger dos filhos (“os meninos”) e do marido. De fato, há maneiras de ser menina muito diferentes da que a mãe de Guillaume parece destinar ao seu filho.
2) A obra (hoje esgotada) de Elena Gianini Belotti (1973) sobre a “fabricação” das identidades de gênero continua importante. Tudo bem, Guillaume é o efeito (a vítima?) do desejo de sua mãe, que quer uma filha. Mas pergunto: “os meninos”, dos quais ele não faz parte, será que eles não são as vítimas do desejo do pai deles, que quer dois filhos? Será que é “natural” para menino preferir o rugby à leitura de Jane Austen? Ou será que essas preferências dos meninos, no fundo, são tão forçadas (pela expectativa do pai) quanto as preferências que Guillaume deve à influência de sua mãe?
3) A história de Guillaume ilustra o poder extraordinário (embora não ilimitado — como o filme mostra) da palavra e do desejo maternos na hora de inventarmos e construirmos nossas identificações e nossos hábitos. De onde vem esse poder? A mãe, em tese, é a que está lá desde o começo, e há uma chantagem de fato, implícita, inevitável: no início da vida, nenhum amor parece tão necessário quanto o materno — para sobreviver, simplesmente. Então, melhor que a mãe goste da gente, não é?
4) Em geral, acreditamos adquirir hábitos sem querer, à força de repetir comportamentos convenientes, esperados etc. Mas esse “sem querer” é quase sempre aparente: frequentemente, adquirimos hábitos por um treino proposital — como alguém que, na primeira tragada, não quisesse começar a fumar, mas se tornar desde já fumante e, logo, queimasse um maço por dia, mesmo não gostando, “para se acostumar”.
Na internet, há milhares de vídeos de “treino” de vários comportamentos sexuais. Não são vídeos explicativos (tipo: faça assim, pegue por baixo ou se deixe pegar por cima), mas declaradamente “hipnóticos”: a pretensão é que, ao contemplá-los, você seja sugestionado (geralmente, eles propõem uma rápida sucessão de imagens com o fundo sonoro de uma voz cativante). Por que alguém precisaria ser sugestionado para realizar atos que correspondem ao que ele deseja?
Fácil: desejamos coisas que, às vezes, o pudor, o desgosto ou o medo não nos permitem realizar — coisas que povoam nossos devaneios, mas contra as quais resistimos tudo o que podemos. Os vídeos hipnóticos prometem isto: você se tornará capaz de fazer o que você deseja e não consegue se permitir.
Curiosamente, a maior categoria de vídeos hipnóticos na net talvez seja a dos vídeos para homens que queiram se “feminizar”, ou seja, se permitir os hábitos sexualmente mais passivos possíveis (“sissyfication”, é a palavra-chave).
Esses vídeos não convertem ninguém. Eles só têm interesse para quem já deseja intensamente o que eles mostram; mesmo nesse caso, não sei se eles ajudam alguém a ultrapassar as inibições que o impedem de realizar seus devaneios.
Mas a simples existência desses vídeos mostra que adoramos encontrar nossos próprios desejos sob forma de ordens que vêm de fora: por favor, alguém me mande fazer o que quero fazer e não consigo me autorizar a fazer. É um padrão que explica muitas coisas: desde a complacência com ordens que poderiam (e deveriam) ter sido desobedecidas até a facilidade com a qual acusamos as mães (sempre elas) por ter nos mandado desejar “o que não queríamos”. Será mesmo que não queríamos?
Em vários momentos do texto, o autor Calligaris recorre ao uso dos dois-pontos. Em cada item a seguir, foi feita uma consideração acerca do emprego dos dois-pontos no fragmento selecionado. Julgue as considerações como verdadeiras ou como falsas.
I. “Mas pergunto: ‘os meninos’, dos quais ele [Guillaume] não faz parte, será que eles não são as vítimas do desejo do pai deles, que quer dois filhos?”
→ Os dois-pontos promovem a coesão entre duas situações argumentativas opostas: antes deles, apresenta-se uma pergunta indireta; depois deles, uma resposta desfavorável.
II. “Mas esse ‘sem querer’ é quase sempre aparente: frequentemente, adquirimos hábitos por um treino proposital [...]”
→ Os dois-pontos delimitam, em dois territórios, um anterior e outro posterior a eles, uma tese e uma justificativa, respectivamente.
III. “Os vídeos hipnóticos prometem isto: você se tornará capaz de fazer o que você deseja e não consegue se permitir.”
→ Os dois-pontos contribuem com um processo textual de cataforização entre um termo anterior a eles e uma elucidação posterior a eles.
IV. “Mas a simples existência desses vídeos mostra que adoramos encontrar nossos próprios desejos sob forma de ordens que vêm de fora: por favor, alguém me mande fazer o que quero fazer e não consigo me autorizar a fazer.”
→ Os dois-pontos contrapõem, em dois polos, a voz do enunciador, antes deles, com uma voz fictícia, depois deles.
É CORRETO apenas o que se afirma em
Este texto é de Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Foi publicado na Folha de S. Paulo em 15 de abril de 2014. Leia-o para responder a questão.
Quem é menino e quem é menina
“Eu, Mamãe e os Meninos”, escrito, dirigido e interpretado por Guillaume Gallienne, é uma boa ocasião para pensar sorrindo.
No filme, que foi um grande sucesso na França (ganhou cinco prêmios César), Gallienne conta sua história: a de um jovem que cresceu, digamos assim, “efeminado”, porque a mãe esperava que ele fosse a filha que ela não teve — é difícil não responder a essa expectativa, e o menino acaba procurando na mãe seu maior, se não único modelo.
O título original francês é o grito da mãe: “Os meninos e Guillaume, para mesa!” — deixando claro que, para ela, Guillaume não fazia parte do conjunto dos meninos.
Na saída do cinema, várias questões (garanto: sem spoiler).
1) Guillaume cresce convencido de ser uma menina. Ele prefere tocar piano e conversar a praticar equitação, caça ou qualquer esporte. Mas essa identidade de menina é um estereótipo criado e imposto pela mãe — uma espécie de contraveneno que ela usa para se proteger dos filhos (“os meninos”) e do marido. De fato, há maneiras de ser menina muito diferentes da que a mãe de Guillaume parece destinar ao seu filho.
2) A obra (hoje esgotada) de Elena Gianini Belotti (1973) sobre a “fabricação” das identidades de gênero continua importante. Tudo bem, Guillaume é o efeito (a vítima?) do desejo de sua mãe, que quer uma filha. Mas pergunto: “os meninos”, dos quais ele não faz parte, será que eles não são as vítimas do desejo do pai deles, que quer dois filhos? Será que é “natural” para menino preferir o rugby à leitura de Jane Austen? Ou será que essas preferências dos meninos, no fundo, são tão forçadas (pela expectativa do pai) quanto as preferências que Guillaume deve à influência de sua mãe?
3) A história de Guillaume ilustra o poder extraordinário (embora não ilimitado — como o filme mostra) da palavra e do desejo maternos na hora de inventarmos e construirmos nossas identificações e nossos hábitos. De onde vem esse poder? A mãe, em tese, é a que está lá desde o começo, e há uma chantagem de fato, implícita, inevitável: no início da vida, nenhum amor parece tão necessário quanto o materno — para sobreviver, simplesmente. Então, melhor que a mãe goste da gente, não é?
4) Em geral, acreditamos adquirir hábitos sem querer, à força de repetir comportamentos convenientes, esperados etc. Mas esse “sem querer” é quase sempre aparente: frequentemente, adquirimos hábitos por um treino proposital — como alguém que, na primeira tragada, não quisesse começar a fumar, mas se tornar desde já fumante e, logo, queimasse um maço por dia, mesmo não gostando, “para se acostumar”.
Na internet, há milhares de vídeos de “treino” de vários comportamentos sexuais. Não são vídeos explicativos (tipo: faça assim, pegue por baixo ou se deixe pegar por cima), mas declaradamente “hipnóticos”: a pretensão é que, ao contemplá-los, você seja sugestionado (geralmente, eles propõem uma rápida sucessão de imagens com o fundo sonoro de uma voz cativante). Por que alguém precisaria ser sugestionado para realizar atos que correspondem ao que ele deseja?
Fácil: desejamos coisas que, às vezes, o pudor, o desgosto ou o medo não nos permitem realizar — coisas que povoam nossos devaneios, mas contra as quais resistimos tudo o que podemos. Os vídeos hipnóticos prometem isto: você se tornará capaz de fazer o que você deseja e não consegue se permitir.
Curiosamente, a maior categoria de vídeos hipnóticos na net talvez seja a dos vídeos para homens que queiram se “feminizar”, ou seja, se permitir os hábitos sexualmente mais passivos possíveis (“sissyfication”, é a palavra-chave).
Esses vídeos não convertem ninguém. Eles só têm interesse para quem já deseja intensamente o que eles mostram; mesmo nesse caso, não sei se eles ajudam alguém a ultrapassar as inibições que o impedem de realizar seus devaneios.
Mas a simples existência desses vídeos mostra que adoramos encontrar nossos próprios desejos sob forma de ordens que vêm de fora: por favor, alguém me mande fazer o que quero fazer e não consigo me autorizar a fazer. É um padrão que explica muitas coisas: desde a complacência com ordens que poderiam (e deveriam) ter sido desobedecidas até a facilidade com a qual acusamos as mães (sempre elas) por ter nos mandado desejar “o que não queríamos”. Será mesmo que não queríamos?
O autor Contardo Calligaris demonstra, na elaboração de seu texto, o domínio de várias técnicas próprias da escrita argumentativa, por meio das quais sinaliza a seus leitores modos diferentes de se comportar em relação à organização e ao desenvolvimento da temática de seu texto.
Assinale a alternativa que faz uma leitura EQUIVOCADA do modo como Contardo Calligaris se apresenta no fragmento selecionado.
Os dois textos a seguir são de Gregorio Duvivier. Foram publicados na Folha de S. Paulo em 16 e 30 de setembro de 2013, respectivamente. Leia-os para responder a questão.
É menina
É menina, que coisa mais fofa, parece com o pai, parece com a mãe, parece um joelho, upa, upa, não chora, isso é choro de fome, isso é choro de sono, isso é choro de chata, choro de menina, igualzinha à mãe, achou, sumiu, achou, não faz pirraça, coitada, tem que deixar chorar, vocês fazem tudo o que ela quer, isso vai crescer mimada, eu queria essa vida pra mim, dormir e mamar, aproveita enquanto ela ainda não engatinha, isso daí quando começa a andar é um inferno, daqui a pouco começa a falar, daí não para mais, ela precisa é de um irmão, foi só falar, olha só quem vai ganhar um irmãozinho, tomara que seja menino pra formar um casal, ela tá até mais quieta depois que ele nasceu, parece que ela cuida dele, esses dois vão ser inseparáveis, ela deve morrer de ciúmes, ele já nasceu falante, menino é outra coisa, desde que ele nasceu parece que ela cresceu, já tá uma menina, quando é que vai pra creche, ela não larga dessa boneca por nada, já podia ser mãe, já sabe escrever o nomezinho, quantos dedos têm aqui, qual é a sua princesa da Disney preferida, quem você prefere, o papai ou a mamãe, quem é o seu namoradinho, quem é o seu príncipe da Disney preferido, já se maquia dessa idade, é apaixonada pelo pai, cadê o Ken, daqui a pouco vira mocinha, eu te peguei no colo, só falta ficar mais alta que eu, finalmente largou a boneca, já tava na hora, agora deve tá pensando besteira, soube que virou mocinha, ganhou corpo, tenho uma dieta boa pra você, a dieta do ovo, a dieta do tipo sanguíneo, a dieta da água gelada, essa barriga só resolve com cinta, que corpão, essa menina é um perigo, vai ter que voltar antes de meia-noite, o seu irmão é diferente, menino é outra coisa, vai pela sombra, não sorri pro porteiro, não sorri pro pedreiro, quem é esse menino, se o seu pai descobrir, ele te mata, esse menino é filho de quem, cuidado que homem não presta, não pode dar confiança, não vai pra casa dele, homem gosta é de mulher difícil, tem que se dar valor, homem é tudo igual, segura esse homem, não fuxica, não mexe nas coisas dele, tem coisa que é melhor a gente não saber, não pergunta demais que ele te abandona, o que os olhos não veem o coração não sente, quando é que vão casar, ele tá te enrolando, morar junto é casar, quando é que vão ter filho, ele tá te enrolando, barriga pontuda deve ser menina, é menina.
É menino
É menino, a cara do pai, a cara da mãe, esse menino vai ser safado, só quer saber das meninas, só brinca com as meninas, nem parece menino, mas é menino, tem pipi de menino, tem que botar ele no futebol, não é possível que ele odeie futebol, todo menino gosta de futebol, ele ainda vai descobrir que gosta, tem que levar ele pro estádio, ele tem é que passar mais tempo com o pai, isso é falta de pai, ele tem é que sair da aba da mãe, ele tem é que ir pra uma escola só de meninos, isso é falta de porrada, é impressão minha ou desde que ele entrou na escola de meninos ele tá ainda mais menina, acho que ele passa tempo demais com meninos, daí só quer saber de meninos, deve ser isso, é falta de carinho, é falta de mulher, acho que ele tem que passar mais tempo com as meninas, ele tem é que se apaixonar por uma menina, ele acha que gosta de meninos porque ainda não encontrou a menina certa, se ele só se dá bem com meninas deve ser porque gosta tanto de meninas que não consegue sair de perto delas, já saquei qual é a dele, é muito esperto, finge que é menina pra se aproveitar delas, esses são os piores, também não precisava se vestir de menina, acho que ele tá exagerando, coitado dos pais dele, o que é que eu vou falar pros seus avós, acho que o seu avô se mata, pena que ainda não dá pra mandar pro Exército, tem que botar no escoteiro que dali ele vai direto pro Exército, acho que nem o escoteiro vai querer saber dele vestido desse jeito, não acredito que ele quer mudar de nome, isso tem que resolver na terapia, deve ter sido abusado na infância, tá querendo agredir os pais, espera que essa moda passa, hoje em dia a pessoa é obrigada a ser bicha, parece que tem um revólver na cabeça da criançada, é a ditadura gay, tá demorando a passar essa moda, cresceu peito nele ou isso é uma meia, onde foi que os pais erraram, ou quem errou foi a sociedade, a culpa é da televisão, a culpa é da escola, a culpa é de algum tio que deve ter abusado dele, e não é que ele dá uma mulher bonita, nem parece homem, já mandei meu marido sair de perto dele, desculpa, eu me recuso a chamar ele de ela, eu vi ele crescer, ele tem um negócio debaixo da saia, ele é menino, ele sempre vai ser menino, essas coisas a gente não muda, essas coisas a gente não muda, essas coisas não mudam a gente, essas coisas a gente é, a gente é o que a gente for, é menina.
Analise estes itens, julgando-os como verdadeiros ou como falsos.
I. Tanto em É menina quanto em É menino, o descuido com os sinais gráficos da pontuação revela um caráter de jocosidade do autor em relação às artimanhas da escrita formal.
II. Tanto em É menina quanto em É menino, o autor defende a tese de que o comportamento, ou das meninas, ou dos meninos, advém da base familiar.
III. Tanto em É menina quanto em É menino, o autor, em virtude de seus propósitos, preocupa-se com a cronologia dos fatos narrados e descritos.
IV. Em É menina, o conjunto das vozes instauradas sugere uma preocupação das famílias em manter diferenças entre a criação das meninas e a dos meninos.
V. Em É menino, o conjunto das vozes instauradas revela uma descrença no modo de educar os meninos advinda da orientação sexual por eles sinalizada.
É CORRETO apenas o que se afirma em
Os dois textos a seguir são de Gregorio Duvivier. Foram publicados na Folha de S. Paulo em 16 e 30 de setembro de 2013, respectivamente. Leia-os para responder a questão.
É menina
É menina, que coisa mais fofa, parece com o pai, parece com a mãe, parece um joelho, upa, upa, não chora, isso é choro de fome, isso é choro de sono, isso é choro de chata, choro de menina, igualzinha à mãe, achou, sumiu, achou, não faz pirraça, coitada, tem que deixar chorar, vocês fazem tudo o que ela quer, isso vai crescer mimada, eu queria essa vida pra mim, dormir e mamar, aproveita enquanto ela ainda não engatinha, isso daí quando começa a andar é um inferno, daqui a pouco começa a falar, daí não para mais, ela precisa é de um irmão, foi só falar, olha só quem vai ganhar um irmãozinho, tomara que seja menino pra formar um casal, ela tá até mais quieta depois que ele nasceu, parece que ela cuida dele, esses dois vão ser inseparáveis, ela deve morrer de ciúmes, ele já nasceu falante, menino é outra coisa, desde que ele nasceu parece que ela cresceu, já tá uma menina, quando é que vai pra creche, ela não larga dessa boneca por nada, já podia ser mãe, já sabe escrever o nomezinho, quantos dedos têm aqui, qual é a sua princesa da Disney preferida, quem você prefere, o papai ou a mamãe, quem é o seu namoradinho, quem é o seu príncipe da Disney preferido, já se maquia dessa idade, é apaixonada pelo pai, cadê o Ken, daqui a pouco vira mocinha, eu te peguei no colo, só falta ficar mais alta que eu, finalmente largou a boneca, já tava na hora, agora deve tá pensando besteira, soube que virou mocinha, ganhou corpo, tenho uma dieta boa pra você, a dieta do ovo, a dieta do tipo sanguíneo, a dieta da água gelada, essa barriga só resolve com cinta, que corpão, essa menina é um perigo, vai ter que voltar antes de meia-noite, o seu irmão é diferente, menino é outra coisa, vai pela sombra, não sorri pro porteiro, não sorri pro pedreiro, quem é esse menino, se o seu pai descobrir, ele te mata, esse menino é filho de quem, cuidado que homem não presta, não pode dar confiança, não vai pra casa dele, homem gosta é de mulher difícil, tem que se dar valor, homem é tudo igual, segura esse homem, não fuxica, não mexe nas coisas dele, tem coisa que é melhor a gente não saber, não pergunta demais que ele te abandona, o que os olhos não veem o coração não sente, quando é que vão casar, ele tá te enrolando, morar junto é casar, quando é que vão ter filho, ele tá te enrolando, barriga pontuda deve ser menina, é menina.
É menino
É menino, a cara do pai, a cara da mãe, esse menino vai ser safado, só quer saber das meninas, só brinca com as meninas, nem parece menino, mas é menino, tem pipi de menino, tem que botar ele no futebol, não é possível que ele odeie futebol, todo menino gosta de futebol, ele ainda vai descobrir que gosta, tem que levar ele pro estádio, ele tem é que passar mais tempo com o pai, isso é falta de pai, ele tem é que sair da aba da mãe, ele tem é que ir pra uma escola só de meninos, isso é falta de porrada, é impressão minha ou desde que ele entrou na escola de meninos ele tá ainda mais menina, acho que ele passa tempo demais com meninos, daí só quer saber de meninos, deve ser isso, é falta de carinho, é falta de mulher, acho que ele tem que passar mais tempo com as meninas, ele tem é que se apaixonar por uma menina, ele acha que gosta de meninos porque ainda não encontrou a menina certa, se ele só se dá bem com meninas deve ser porque gosta tanto de meninas que não consegue sair de perto delas, já saquei qual é a dele, é muito esperto, finge que é menina pra se aproveitar delas, esses são os piores, também não precisava se vestir de menina, acho que ele tá exagerando, coitado dos pais dele, o que é que eu vou falar pros seus avós, acho que o seu avô se mata, pena que ainda não dá pra mandar pro Exército, tem que botar no escoteiro que dali ele vai direto pro Exército, acho que nem o escoteiro vai querer saber dele vestido desse jeito, não acredito que ele quer mudar de nome, isso tem que resolver na terapia, deve ter sido abusado na infância, tá querendo agredir os pais, espera que essa moda passa, hoje em dia a pessoa é obrigada a ser bicha, parece que tem um revólver na cabeça da criançada, é a ditadura gay, tá demorando a passar essa moda, cresceu peito nele ou isso é uma meia, onde foi que os pais erraram, ou quem errou foi a sociedade, a culpa é da televisão, a culpa é da escola, a culpa é de algum tio que deve ter abusado dele, e não é que ele dá uma mulher bonita, nem parece homem, já mandei meu marido sair de perto dele, desculpa, eu me recuso a chamar ele de ela, eu vi ele crescer, ele tem um negócio debaixo da saia, ele é menino, ele sempre vai ser menino, essas coisas a gente não muda, essas coisas a gente não muda, essas coisas não mudam a gente, essas coisas a gente é, a gente é o que a gente for, é menina.
Leia o início e o fim de cada um dos textos.
É MENINA:
Início: “É menina, que coisa mais fofa, parece com o pai, parece com a mãe [...]”
Fim: “[...] ele tá te enrolando, barriga pontuda deve ser menina, é menina.”
É MENINO:
Início: “É menino, a cara do pai, a cara da mãe, esse menino vai ser safado [...]”
Fim: “[...] essas coisas a gente é, a gente é o que a gente for, é menina.”
Julgue como Verdadeiras (V) ou como Falsas (F) as considerações a seguir.
(_____) Os adjetivos “fofa” e “safado” são indícios culturais do modo como se constroem representações valorativas de cada gênero.
(_____) Na caracterização da menina, no fragmento inicial selecionado, nota-se uma sequência de atributos: em primeiro lugar, percebe-se uma adjetivação de natureza afetiva; em seguida, uma adjetivação descritiva organizada por formas sintaticamente paralelas.
(_____) Na caracterização do menino, no fragmento inicial selecionado, nota-se uma sequência de atributos: em primeiro lugar, percebe-se uma adjetivação organizada por formas sintaticamente paralelas; em seguida, uma adjetivação de natureza avaliativa.
(_____) Em É menina, a repetição da palavra “menina”, no início e no final do texto, demonstra um raciocínio tautológico por meio do qual o autor prova a tese de que as meninas estão sujeitas a um mesmo destino: o de se tornarem mães.
(_____) Em É menino, a inserção da palavra “menino”, no início do texto, em contraposição com a da palavra “menina”, no final do texto, revela um compromisso do autor com a apresentação de uma prova à defesa da tese da livre opção sexual.
A sequência CORRETA é a seguinte: