Questões de Português - Leitura e interpretação de textos - Gêneros textuais - Verbais/Narrativos
Conceição Evaristo nasceu numa favela da zona sul de Belo Horizonte. Trabalhava como empregada doméstica, até concluir o Curso Normal, já então com 25 anos. Mudou-se para o Rio de Janeiro, tendo estudado Letras em uma universidade pública, a UFRJ. Suas obras abordam temas como discriminação racial, de gênero e de classe. A pobreza e a vulnerabilidade da população afro-brasileira, envolvendo mulheres e homens, é a tônica da autora em Olhos D’Água.
O conto Maria serve de base para responder à questão.
MARIA
Maria estava parada há mais de meia hora no ponto do ônibus. Estava cansada de esperar. Se a distância fosse menor, teria ido a pé. Era preciso mesmo ir se acostumando com a caminhada. O preço da passagem estava aumentando tanto! Além do cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos.
[...]
Quando o ônibus apontou lá na esquina, Maria abaixou o corpo, pegando a sacola que estava no chão entre as suas pernas. O ônibus não estava cheio, havia lugares. Ela poderia descansar um pouco, cochilar até a hora da descida. Ao entrar, um homem levantou lá de trás, do último banco, fazendo um sinal para o trocador. Passou em silêncio, pagando a passagem dele e de Maria. Ela reconheceu o homem. Quanto tempo, que saudades! Como era difícil continuar a vida sem ele. Maria sentou-se na frente. O homem sentou-se a seu lado. Ela se lembrou do passado. Do homem deitado com ela. Da vida dos dois no barraco. Dos primeiros enjoos. Da barriga enorme que todos diziam de gêmeos, e da alegria dele. Que bom! Nasceu! Era um menino! E haveria de se tornar um homem. Maria viu, sem olhar, que era o pai de seu filho. Ele continuava o mesmo. Bonito, grande, o olhar assustado não se fixando em nada e em ninguém. Sentiu uma mágoa imensa. Por que não podia ser de uma outra forma? Por que não podiam ser felizes? E o menino, Maria? Como vai o menino? cochichou o homem. Sabe que sinto falta de vocês? Tenho um buraco no peito, tamanha a saudade! Tou sozinho! Não arrumei, não quis mais ninguém. Você já teve outros... outros filhos? A mulher baixou os olhos como que pedindo perdão. É. Ela teve mais dois filhos, mas não tinha ninguém também.
[...]
O homem falava, mas continuava estático, preso, fixo no banco. Cochichava com Maria as palavras, sem, entretanto, virar para o lado dela. Ela sabia o que o homem dizia. Ele estava dizendo de dor, de prazer, de alegria, de filho, de vida, de morte, de despedida. Do buraco-saudade no peito dele... Desta vez ele cochichou um pouquinho mais alto. Ela, ainda sem ouvir direito, adivinhou a fala dele: um abraço, um beijo, um carinho no filho. E, logo após, levantou rápido sacando a arma. Outro lá atrás gritou que era um assalto. Maria estava com muito medo. Não dos assaltantes. Não da morte. Sim da vida. Tinha três filhos. O mais velho, com onze anos, era filho daquele homem que estava ali na frente com uma arma na mão. O de lá de trás vinha recolhendo tudo. O motorista seguia a viagem. Havia o silêncio de todos no ônibus. Apenas a voz do outro se ouvia pedindo aos passageiros que entregassem tudo rapidamente. O medo da vida em Maria ia aumentando. Meu Deus, como seria a vida dos seus filhos?
[...]
Os assaltantes desceram rápido. (...). Ela não conhecia assaltante algum. Conhecia o pai de seu primeiro filho. Conhecia o homem que tinha sido dela e que ela ainda amava tanto. Ouviu uma voz: Negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois. Outra voz vinda lá do fundo do ônibus acrescentou: Calma, gente! Se ela estivesse junto com eles, teria descido também. Alguém argumentou que ela não tinha descido só para disfarçar. Estava mesmo com os ladrões. Foi a única a não ser assaltada. Mentira, eu não fui e não sei por quê. Maria olhou na direção de onde vinha a voz e viu um rapazinho negro e magro, com feições de menino e que relembravam vagamente o seu filho. A primeira voz, a que acordou a coragem de todos, tornou-se um grito: Aquela puta, aquela negra safada estava com os ladrões! O dono da voz levantou e se encaminhou em direção à Maria. A mulher teve medo e raiva. Que merda! Não conhecia assaltante algum. Não devia satisfação a ninguém. Olha só, a negra ainda é atrevida, disse o homem, lascando um tapa no rosto da mulher. Alguém gritou: Lincha! Lincha! Lincha!... Uns passageiros desceram e outros voaram em direção à Maria. O motorista tinha parado o ônibus para defender a passageira:
— Calma pessoal! Que loucura é esta? Eu conheço esta mulher de vista. Todos os dias, mais ou menos neste horário, ela toma o ônibus comigo. Está vindo do trabalho, da luta para sustentar os filhos... Lincha! Lincha! Lincha! Maria punha sangue pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos. A sacola havia arrebentado e as frutas rolavam pelo chão. Será que os meninos iriam gostar de melão? Tudo foi tão rápido, tão breve, Maria tinha saudades de seu ex-homem. Por que estavam fazendo isto com ela? O homem havia segredado um abraço, um beijo, um carinho no filho. Ela precisava chegar em casa para transmitir o recado. Estavam todos armados com facas a laser que cortam até a vida. Quando o ônibus esvaziou, quando chegou a polícia, o corpo da mulher estava todo dilacerado, todo pisoteado. Maria queria tanto dizer ao filho que o pai havia mandado um abraço, um beijo, um carinho.
EVARISTO, Conceição. Olhos D’Água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2016.
No início do conto, primeiro parágrafo, a personagem Maria não é definida, nem apresentada ao leitor, porque o enunciador tem a expectativa de
“Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.”
Clarice Lispector. “Insônia infeliz e feliz”. In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Considerando as características do trecho apresentado, pode-se afirmar que ele pertence a uma crônica, pois
Leia a letra da Canção pra Amazônia, composta por Nando Reis e Carlos Rennó, para responder à questão.
Maior floresta tropical da Terra
a toda hora sofre um duro golpe.
Contra trator, corrente, motosserra,
a bela flora clama em vão: “Me poupe!”
[5] Porém tem uma gente surda e cega
para a beleza e o valor da mata,
embora o mundo grite que já chega,
pois é a vida que o desmate mata.
Mais vasta ainda todavia é a devastação e o trauma:
[10] focos de fogo nos sufocam fauna, flora e até a alma.
Amazônia!
Razão de tanta insânia e tanta insônia!
Objeto de omissão e ação errônea!
É sem igual, sem plano B nem clone a
[15] Amazônia!
[...]
Dos povos da floresta sob pressão,
o indígena, seu grande guardião,
em comunhão com ela há milênios,
nos últimos e trágicos decênios,
[20] vem vendo a mata sendo ameaçada
e cada terra deles atacada
por levas de peões de poderosos
com planos de riqueza horrorosos.
É invasão!, destruição!, ódio a quem são seus empecilhos!
[25] Eles não pensam no amanhã nem do planeta nem dos próprios filhos!
https://tinyurl.com/wk2zp473%20Acesso%20em:%2016.08.2023.%20Adaptado.
Segundo a letra da canção,
“O lugar do ensino superior agora tem as portas abertas. A (...) Constituição é que impõe essa situação por decreto. Mas (...) este não pode garantir que todos tenham a tal ‘capacidade’ que lhes vai permitir o aproveitamento dessa educação. Há rapazes – até agora são poucas as moças com a força de vontade que Jabu, ainda menina, tinha para dar e vender – que recebem bolsas ou auxílios de algum tipo (...). As ‘aulas de reforço’ (...): um band-aid. Steve sabe que isso não é uma solução para o abismo da educação ruim do fundo do qual os alunos tentam emergir.
A Luta não terminou.
– (...) Eu tenho alunos de estudos africanos que não sabem escrever (...).
– Então o que é que nós devíamos estar fazendo? (...) O professor Nielson ainda usa terno (...), embora o padrão da indumentária tenha relaxado a partir do exemplo dado pelas túnicas de Mandela. (...) – Você não está propondo que a gente baixe ainda mais os critérios de admissão à universidade. Então a universidade é pra avançar no conhecimento ou é pra andar pra trás?
O que Steve está perguntando é se esse ensino adicional de faz de conta na esperança de elevar os alunos a um nível universitário pode compensar dez anos de educação primária e secundária de péssimo nível.”
GORDIMER, Nadine. O melhor tempo é o tempo presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p.82-83.
No excerto do romance da escritora sul-africana Nadine Gordimer, é possível identificar:
Leia o texto para responder à questão.
Curupira, Saci e Matinta Pereira, entre outras, são lendas folclóricas da Região Amazônica. Elas são ensinamentos e histórias repassados de geração a geração, de boca em boca, para transmitir valores, como respeitar a floresta e os seres que nela habitam.
Sobre o Curupira, indígenas relatam, por exemplo, que: “Ele é o guardião da floresta. Quando tem caçador mal-intencionado, ele começa a perseguir. O som que você ouve parece de tapas nas árvores, parece que ele vem com tudo pela floresta e você sente aquela força, aquela energia vindo, chegando perto”.
https://tinyurl.com/yc82rne4%20Acesso%20em:%2005.08.2023.%20Adaptado.
Com base no texto, o gênero textual abordado cumpre a função social de
Conceição Evaristo nasceu numa favela da zona sul de Belo Horizonte. Trabalhava como empregada doméstica, até concluir o Curso Normal, já então com 25 anos. Mudou-se para o Rio de Janeiro, tendo estudado Letras em uma universidade pública, a UFRJ. Suas obras abordam temas como discriminação racial, de gênero e de classe. A pobreza e a vulnerabilidade da população afro-brasileira, envolvendo mulheres e homens, é a tônica da autora em Olhos D’Água.
O conto Maria serve de base para responder à questão.
MARIA
Maria estava parada há mais de meia hora no ponto do ônibus. Estava cansada de esperar. Se a distância fosse menor, teria ido a pé. Era preciso mesmo ir se acostumando com a caminhada. O preço da passagem estava aumentando tanto! Além do cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos.
[...]
Quando o ônibus apontou lá na esquina, Maria abaixou o corpo, pegando a sacola que estava no chão entre as suas pernas. O ônibus não estava cheio, havia lugares. Ela poderia descansar um pouco, cochilar até a hora da descida. Ao entrar, um homem levantou lá de trás, do último banco, fazendo um sinal para o trocador. Passou em silêncio, pagando a passagem dele e de Maria. Ela reconheceu o homem. Quanto tempo, que saudades! Como era difícil continuar a vida sem ele. Maria sentou-se na frente. O homem sentou-se a seu lado. Ela se lembrou do passado. Do homem deitado com ela. Da vida dos dois no barraco. Dos primeiros enjoos. Da barriga enorme que todos diziam de gêmeos, e da alegria dele. Que bom! Nasceu! Era um menino! E haveria de se tornar um homem. Maria viu, sem olhar, que era o pai de seu filho. Ele continuava o mesmo. Bonito, grande, o olhar assustado não se fixando em nada e em ninguém. Sentiu uma mágoa imensa. Por que não podia ser de uma outra forma? Por que não podiam ser felizes? E o menino, Maria? Como vai o menino? cochichou o homem. Sabe que sinto falta de vocês? Tenho um buraco no peito, tamanha a saudade! Tou sozinho! Não arrumei, não quis mais ninguém. Você já teve outros... outros filhos? A mulher baixou os olhos como que pedindo perdão. É. Ela teve mais dois filhos, mas não tinha ninguém também.
[...]
O homem falava, mas continuava estático, preso, fixo no banco. Cochichava com Maria as palavras, sem, entretanto, virar para o lado dela. Ela sabia o que o homem dizia. Ele estava dizendo de dor, de prazer, de alegria, de filho, de vida, de morte, de despedida. Do buraco-saudade no peito dele... Desta vez ele cochichou um pouquinho mais alto. Ela, ainda sem ouvir direito, adivinhou a fala dele: um abraço, um beijo, um carinho no filho. E, logo após, levantou rápido sacando a arma. Outro lá atrás gritou que era um assalto. Maria estava com muito medo. Não dos assaltantes. Não da morte. Sim da vida. Tinha três filhos. O mais velho, com onze anos, era filho daquele homem que estava ali na frente com uma arma na mão. O de lá de trás vinha recolhendo tudo. O motorista seguia a viagem. Havia o silêncio de todos no ônibus. Apenas a voz do outro se ouvia pedindo aos passageiros que entregassem tudo rapidamente. O medo da vida em Maria ia aumentando. Meu Deus, como seria a vida dos seus filhos?
[...]
Os assaltantes desceram rápido. (...). Ela não conhecia assaltante algum. Conhecia o pai de seu primeiro filho. Conhecia o homem que tinha sido dela e que ela ainda amava tanto. Ouviu uma voz: Negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois. Outra voz vinda lá do fundo do ônibus acrescentou: Calma, gente! Se ela estivesse junto com eles, teria descido também. Alguém argumentou que ela não tinha descido só para disfarçar. Estava mesmo com os ladrões. Foi a única a não ser assaltada. Mentira, eu não fui e não sei por quê. Maria olhou na direção de onde vinha a voz e viu um rapazinho negro e magro, com feições de menino e que relembravam vagamente o seu filho. A primeira voz, a que acordou a coragem de todos, tornou-se um grito: Aquela puta, aquela negra safada estava com os ladrões! O dono da voz levantou e se encaminhou em direção à Maria. A mulher teve medo e raiva. Que merda! Não conhecia assaltante algum. Não devia satisfação a ninguém. Olha só, a negra ainda é atrevida, disse o homem, lascando um tapa no rosto da mulher. Alguém gritou: Lincha! Lincha! Lincha!... Uns passageiros desceram e outros voaram em direção à Maria. O motorista tinha parado o ônibus para defender a passageira:
— Calma pessoal! Que loucura é esta? Eu conheço esta mulher de vista. Todos os dias, mais ou menos neste horário, ela toma o ônibus comigo. Está vindo do trabalho, da luta para sustentar os filhos... Lincha! Lincha! Lincha! Maria punha sangue pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos. A sacola havia arrebentado e as frutas rolavam pelo chão. Será que os meninos iriam gostar de melão? Tudo foi tão rápido, tão breve, Maria tinha saudades de seu ex-homem. Por que estavam fazendo isto com ela? O homem havia segredado um abraço, um beijo, um carinho no filho. Ela precisava chegar em casa para transmitir o recado. Estavam todos armados com facas a laser que cortam até a vida. Quando o ônibus esvaziou, quando chegou a polícia, o corpo da mulher estava todo dilacerado, todo pisoteado. Maria queria tanto dizer ao filho que o pai havia mandado um abraço, um beijo, um carinho.
EVARISTO, Conceição. Olhos D’Água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2016.
Em “Ouviu uma voz: negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois.” e “Olha só, a negra ainda é atrevida, disse o homem, lascando um tapa no rosto da mulher. Alguém gritou: Lincha! Lincha! Lincha!...” , a seleção vocabular dos fragmentos revela, com veemência, por parte dos demais personagens da cena narrada, uma atitude (de)
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