Leia o texto a seguir para responder à questão.
Viver a vida ou registrá-la nos celulares, eis a questão
Marcelo Gleiser
De alguns anos para cá, uma transformação profunda ________ ocorrendo em nossas
vidas, mesmo que poucos reflitam sobre ela. Com a rápida evolução dos smartphones, ficou tão
fácil capturar imagens da vida, que o que antes era complicado e oneroso – comprar um filme
fotográfico, levar a câmera a tiracolo, revelar o filme na ótica, pegar as fotos reveladas – hoje é
[5] algo que todo mundo (ou quase) pode fazer. Tudo é devidamente registrado, do mais significativo
ao mais trivial.
Todo mundo é ou quer ser a estrela principal do grande filme da sua vida, e capturar os
momentos julgados importantes é construir, aos poucos, essa narrativa pessoal. O filme da sua
vida vive, virtualmente, nas redes sociais. No YouTube, vídeos viram "virais", atingindo milhares
[10] e até milhões de pessoas em horas. Cachorros salvando veadinhos que se ________, aviões em
pane, jogadores de videogame seguidos por adolescentes do mundo inteiro, cenas variadas da
vida de indivíduos – cômicas e trágicas – são compartilhadas globalmente, com pessoas do
Afeganistão à Zâmbia.
Por um lado, isso faz sentido: nossas vidas são importantes, e queremos dividi-las, ser
[15] vistos, apreciados, tanto pelos amigos quanto por estranhos. Mas por outro, essa voracidade de
capturar a vida tecnologicamente acaba por nos separar dela, criando um distanciamento do
momento, da experiência visceral de estar vivo. Vivemos mais para mostrar aos outros nossas
vidas do que para apreciá-la a cada momento.
Essa transição começou antes dos celulares. Algo ocorreu entre o diário pessoal que
[20] trancávamos na gaveta e a câmera de vídeo portátil. Por exemplo, em junho de 2001 levei um
grupo de ex-alunos da minha universidade num cruzeiro para observar um eclipse total do sol na
África. No navio, encontrei vários "caçadores de eclipse", pessoas que viajam o mundo atrás de
eclipses. Faz sentido, visto que poucos fenômenos naturais são tão espetaculares, capazes de
despertar uma emoção tão profunda. […] Durante alguns minutos, tudo se transforma, o dia vira
[25] noite, o Sol coberto pelo disco da Lua, cercado pelos raios difusos da corona. Para vivenciar isso,
temos que olhar para o céu com foco total. Mas o que vi, quando o eclipse ia começar, foi o
convés do navio repleto de câmeras e tripés, as pessoas afoitas para fotografar e gravar o
evento.
As pessoas escolheram vivenciar esse momento tão raro e especial através de lentes e
[30] filtros, em vez de vivê-lo diretamente. Fiquei chocado, especialmente porque o navio tinha
fotógrafos profissionais que ________ dar suas fotos para os passageiros. Mas as pessoas
queriam as suas fotos e vídeos, mesmo sabendo que não seriam tão boas. Participei de dois
outros eclipses e é sempre a mesma coisa. As pessoas optam por capturar a realidade através de
uma máquina, diluindo a emoção do momento.
[35] Com os celulares e a mídia social, ficou infinitamente mais fácil arquivar e distribuir
imagens. O alcance é potencialmente enorme, e o nível de gratificação mensurável (quantos
"likes" uma foto ou vídeo ganha). Essencialmente, a vida moderna se transformou num evento
social compartilhável.
Claro que existe um lado positivo de tudo isso. Queremos e devemos celebrar momentos
[40] significativos e dividi-los com pessoas queridas e próximas. O problema começa quando a ânsia
de registrar o momento ofusca a experiência de vivenciá-lo. Músicos e comediantes reclamam
que não podem ver seu público, apenas um mar de iPhones e iPads. Algumas celebridades estão
proibindo o uso de celulares nos seus casamentos, exigindo a presença concreta de seus
convidados, e não a virtual.
[45] O mesmo ocorre com palestras e aulas que usam Powerpoint. Assim que a tela se ilumina,
os olhares vão para ela, e o apresentador é uma voz solta no espaço, incapaz de criar uma
relação direta com a audiência. Por isso, tendo a usar essas tecnologias minimamente hoje em
dia.
Sem querer ser muito nostálgico (mas sendo), nada suplanta o contato direto, olho no
[50] olho, o estar presente no momento, com a família ou amigos, ou mesmo sozinho. Os celulares
são incríveis, claro. Mas não ________ definir como vivemos nossas vidas – apenas
complementá-las.
Publicado em 23 jul. 2017. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2017
Para atender à sintaxe de concordância, as lacunas do texto devem ser preenchidas, respectivamente, com