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Iracema
[1] Além, muito além daquela serra, que ainda azula no
horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os
[4] cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que
seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a
[7] baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira
[10] tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando,
alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as
primeiras águas.
[13] Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da
floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca
do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
[16] esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na
folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja,
[19] como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.
Enquanto repousa, empluma das penas do guará as
flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no
[22] galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto
dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem
[25] pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a
selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da
juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
[28] Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue
a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista
perturba-se.
[31] Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro
estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.
Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos
[34] o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos
cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha
[37] embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do
desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da
[40] espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião
de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu
mais d’alma que da ferida.
[43] O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei
eu. Porém, a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
[46] A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e
compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a
flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando
[49] consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
[52] — Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de
meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro
guerreiro como tu?
[55] — Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das
terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos
[58] tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de
Iracema.
José de Alencar. Iracema. São Paulo: Ed. Ática, 1991, p. 23.
Considerando o trecho acima, da obra Iracema, de José de Alencar, julgue o item.
Em “O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor” (l.40-41), o verbo aprender, empregado como intransitivo, tem o sentido de receber instrução ou educação.