TEXTO:
Mudar o mundo
Há uma divindade que todos cultuam sem que
cheguem mesmo a se dar conta. Convém nomear
essa divindade laica: trata-se do mercado, das leis
draconianas do mercado. Essa nova divindade
[5] laica tem seus templos, sacerdotes e espaço da
demonização, da perseguição atroz e do “satanismo”;
de um lado, as grandes lojas de departamento, as
agências bancárias e a simpatia artificial de todos os
atendentes; de outro, os processos, a perseguição
[10] implacável, o protesto, a negativação, etc. Estar em
bons termos com o mercado é o “paraíso”. Paraíso
das compras de quinquilharias que a propaganda
tornou necessárias, do crédito fácil e simplificado. Ter
dificuldades com o mercado é o “inferno”. Inferno da
[15] cobrança, da ausência de crédito e, no limite, o
processo por inadimplência — cada dia mais comum
nestes tempos de crise interminável. E daí se os
interesses da Nação brasileira contrariam o mercado
internacional? A grande divindade, vale a redundância,
[20] é o mercado, não a pátria ou a nação, seja ela qual
for nestes tempos de globalização. Quando interesses
nacionais se conflitam com o mercado globalizado,
privilegia-se o mercado. Nada para a Nação! Família?
Só se contemplar o mercado. Sem mercado não há
[25] família. Pais desempregados — coisa trivialíssima nos
dias que correm —, aliás, incompetentes para trocar
sua força de trabalho por dinheiro, não conseguem
manter uma família. Não têm sido raros os casos
de alcoolismo, quando não de violência doméstica
[30] nestes tempos de crise. Nietzsche disse: “Por toda
a parte vejo portas mais baixas. Quem é de minha
estatura pode ainda passar, mas tem de abaixar-
se!”? Triste verdade. Quem não se enquadrar às
normas da máquina tecnoburocrática que criamos
[35] se verá marginalizado ou morto. Ou o homem
contemporâneo torna-se escravo da máquina ou
sucumbe. É preciso travar esse progressismo vago
sem finalidades humanas. É preciso que todos voltem
a perceber que a máquina deve passar a servir ao
[40] humano, deixando de servir-se dele, e isso é urgente!!
CHAVES, Lázaro Curvêlo. In: O Estado de S. Paulo, s.d.
Sobre a pontuação usada no texto, pode-se afirmar: