Mas Julião indignava-se:
- Estás desmoralizado pela doutrina vitalista, miserável! - Trovejou contra o Vitalismo, que declarou "contrário ao espírito científico". Uma teoria que pretende que as leis que governam os corpos brutos não são as mesmas que governam os corpos vivos - é uma heresia grotesca - exclamava. - E Bichat que a proclama é uma besta!
O estudante, fora de si, bradou - que chamar a Bichat uma besta era simplesmente de um alarve.
Mas Julião desprezou a injúria, e continuou, exaltado nas suas ideias:
- Que nos importa a nós o princípio da vida? Importa-me tanto como a primeira camisa que vesti! O princípio da vida é como outro qualquer princípio: um segredo! Havemos de ignorá-lo eternamente! Não podemos saber nenhum princípio. A vida, a morte, as origens, os fins, mistérios! São causas primárias com que não temos nada a fazer, nada! Podemos batalhar séculos, que não avançamos uma polegada. O fisiologista, o químico, não têm nada com os princípios das coisas; o que lhes importa são os fenômenos! Ora, os fenômenos e as suas causas imediatas, meu caro amigo, podem ser determinadas com tanto rigor nos corpos brutos, como nos corpos vivos — numa pedra, como num desembargador! E a Fisiologia e a Medicina são ciências tão exatas como a Química! Isto já vem de Descartes!
Travaram então um berreiro sobre Descartes. E imediatamente, sem que Sebastião atônito tivesse descoberto a transição, encarniçaram-se sobre a ideia de Deus.
(QUEIRÓS, Eça de. O Primo Basílio. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, com atualização da ortografia, conforme Acordo Ortográfico da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)
Pela leitura do texto é correto afirmar que: