(1) Em qualquer língua, de qualquer época, desde que em uso, ocorreram mudanças, em todos os estratos, em todos os níveis, o que significa dizer que, naturalmente, qualquer língua manifesta-se num conjunto de diferentes falares, que atendem às exigências dos diversos contextos de uso dessa língua. Pensar numa língua uniforme, falada em todo canto e em toda hora do mesmo jeito, é um mito que tem trazido consequências desastrosas para a autoestima das pessoas (principalmente daquelas de meios rurais ou de classes sociais menos favorecidas) e que tem confundido, há séculos, os professores de língua.
(2) Exatamente, por essa heterogeneidade de falares é que a língua se torna complexa, pois, por eles, se instaura o movimento dialético da língua: da língua que está sendo, que continua igual, e da língua que vai ficando diferente. Não querer reconhecer essa natural tensão do movimento das línguas é deixar de apanhar a natureza mesma de sua forma de existir: histórica e culturalmente situada.
(3) Por conta dessas vinculações da língua com as situações em que é usada, a voz de cada um de nós é, na verdade, um coro de vozes. Vozes de todos os que nos antecederam e com os quais convivemos atualmente. Vozes daqueles que construíram os significados das coisas, que atribuíram a elas um sentido ou um valor semiológico. Vozes que pressupõem papéis sociais de quem as emite; que expressam visões, concepções, crenças, verdades e ideologias. Vozes, portanto, que, partindo das pessoas em interação, significam expressão de suas visões de mundo e, ao mesmo tempo, criação dessas mesmas visões.
(4) A língua é, assim, um grande ponto de encontro; de cada um de nós, com os nossos antepassados, com aqueles que, de qualquer forma, fizeram e fazem a nossa história. Nossa língua está embutida na trajetória de nossa memória coletiva. Daí, o apego que sentimos à nossa língua, ao jeito de falar de nosso grupo. Esse apego é uma forma de selarmos nossa adesão a esse grupo.
(5) Tudo isso porque linguagem, língua e cultura são, reiteramos, realidades indissociáveis.
(6) É nesse âmbito que podemos surpreender as raízes do processo de construção e expressão de nossa identidade ou, melhor dizendo, de nossa pluralidade de identidades. É nesse âmbito que podemos ainda experimentar o sentimento de partilhamento, de pertença, de ser gente de algum lugar, de ser pessoa que faz parte de determinado grupo. Quer dizer, pela língua afirmamos: temos território; não somos sem pátria. Pela língua, enfim, recobramos uma identidade.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino. Outra escola possível. São Paulo: Parábola, 2009, p. 22-23.
Assinale a alternativa na qual se apresenta um título que corresponde ao sentido global do Texto 1.