TEXTO
FUZILAMENTO
"Foi a pior derrota dos trabalhadores brasileiros desde o golpe de 64." Essa frase do sociólogo Ruy Braga descreve muito bem o que significou a aprovação do projeto que facilita a terceirização e a subcontratação do trabalho (lei 4.330), na semana passada, pela Câmara dos Deputados.
Ele visa fragilizar os vínculos trabalhistas, criando uma situação de precarização na qual, em um futuro próximo, não haverá mais empregos, apenas funcionários flexíveis alocados temporariamente em empresas por período incerto.
As escolas não terão mais professores contratados e com o mínimo de estabilidade para planejar seu futuro, apenas "pessoas jurídicas" que prestarão serviços para outras pessoas jurídicas, podendo ser trocadas sem dificuldades. O mesmo em empresas e hospitais.
Não por acaso, logo ficamos sabendo que salários de funcionários terceirizados tendem a ser 24% menores do que salários de empregados formais. Terceirizados trabalham, em média, três horas a mais do que empregados formais. Ou seja, vemos se abrir um cenário de intensificação brutal do trabalho e achatamento de salários.
Vendem-se as imagens de um paraíso neoliberal de flexibilização, mas o que se entrega é o inferno medieval da espoliação no trabalho.
De fato, essa é a tendência mundial. Relações trabalhistas são relações de força e há de se perguntar quem tem mais força hoje. Àqueles que acreditam em situações nas quais patrões e trabalhadores saem todos ganhando, gostaria de lembrar que entrou em cartaz nos cinemas "Cinderela": um filme que vem da mesma região desses pensamentos, a saber, a terra dos contos de fada.
Nessa terra, ninguém consegue entender por que, enquanto o PIB norte-americano por habitante cresceu 36% entre 1973 e 1995, o salário horário de não-executivos (a maioria dos empregos) caiu em 14%. No ano 2000, o salário real de nãoexecutivos nos EUA retornou ao que era há 50 anos.
De nada serve também afirmar que leis dessa natureza aumentam o nível de emprego. Faz parte do velho mantra neoliberal tentar nos fazer crer que direitos trabalhistas dificultam a contratação, como se fosse do seu interesse não ter direitos que lhe protejam.
Que uma lei dessa natureza tenha sido aprovada pelo Congresso que temos não é de se espantar. Os 324 deputados que votaram a favor da lei que irá destruir o seu emprego não representam o povo. Eles representam os empresários que pagam suas campanhas e são comandados por um presidente da Câmara que entrará para a história como aquele que permitiu os trabalhadores brasileiros serem fuzilados em um conflito no qual eles, cada vez mais sem defesas, caminham para o aprofundamento de sua espoliação. Agradeça a eles quando você sentir as maravilhas da terceirização.
(SAFATLE, Vladimir. Fuzilamento. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 abr. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2015/04/161 6233-fuzilamento.shtml>. Acesso em: 10 maio 2015)
Concernente aos aspectos linguísticos discursivos do texto, verifique as proposições a seguir:
I – A construção “Essa frase do sociólogo Ruy Braga descreve muito bem o que significou a aprovação do projeto [...]” (1º parág.) é um comentário acerca da citação apresentada.
II – Em “Vendem-se as imagens de um paraíso neoliberal de flexibilização, mas o que se entrega é o inferno medieval da espoliação do trabalho” (5º parág.), há o emprego de linguagem figurada para dar maior ênfase à contraposição apresentada.
III – A construção “Nessa terra [...]” (7º parág.) remete aos Estados Unidos.
IV – Em “Agradeça a eles quando você sentir as maravilhas da terceirização” (9º parág.), há ironia em relação à aprovação da terceirização.
Marque a opção correta: