Leia o trecho, retirado da revista Cult, para responder a questão.
Década de 1920, estudos de filosofia em Paris. Simone de Beauvoir, de formação católica, preservava relações de amizade com um grupo de estudantes certinhos enquanto dirigia olhares a um estranho e hermético trio, que encontrava por corredores e bibliotecas, composto por Sartre, Paul Nizan e René Maheu — alunos irreverentes, de má reputação.
A amizade com Maheu foi a ponte para a futura união com Sartre. Um belo dia, Maheu entregou a Simone um desenho que Sartre lhe dedicara: “Leibniz no banho com as mônadas”; era um convite para a aproximação. Tempos depois, a jovem, cujo desejo de fuga do lar paterno era premente, entra no enevoado quarto de Sartre para estudar Leibniz com o trio de aspirantes a intelectuais. Em Memórias de uma moça bem comportada, conta o ato de aproximação com aquele que seria seu companheiro por mais de 50 anos: “Estava meio assustada quando entrei no quarto de Sartre; havia uma grande confusão de livros e papéis, pontas de cigarro por toda parte, uma espessa fumaça. Sartre recebeu-me mundanamente; fumava cachimbo. Silencioso, com um cigarro no canto de seu sorriso irônico, Nizan espiava-me através dos óculos pesados, com um ar de saber muita coisa”.
Findos os últimos exames, em 1928, Maheu retorna à província da casa paterna. Chega a vez de Sartre, que diz a ela: “A partir de agora, tomo conta de você”. A partir daí, ela passou a achar que todo o tempo que não passasse na companhia da brilhante inteligência de Sartre era tempo perdido. Apresenta, em Memórias de uma moça bem comportada, suas primeiras impressões a respeito das paixões de Sartre: “Com o romantismo da época e seus vinte três anos, sonhava com grandes viagens [...]. Não se enraizaria em nenhum lugar, não se embaraçaria com nenhuma posse: não para se conservar vãmente disponível, mas para testemunhar tudo. Todas as suas experiências deveriam ser úteis à sua obra e afastava todas as que pudessem diminuí-la. [...] Sartre sustentava que, quando se tem alguma coisa a dizer, todo desperdício é criminoso. A obra de arte, a obra literária era a seus olhos um fim absoluto; ela trazia em si sua razão de ser e de seu criador, e talvez mesmo — não o dizia mas eu suspeitava de que estivesse persuadido disso — a do universo inteiro”.
Nessas declarações encontramos a primeira compreensão de Sartre sobre o ato de escrever, um ato de salvação, ideia que irá discutir em A náusea (1938), seu romance inaugural, por meio das reflexões de seu outro-eu: Antoine Roquentin. Enquanto Simone se debatia com o que ainda lhe restava de formação espiritualista, Sartre buscava, por meio da literatura, uma outra forma de salvação: a sobrevida por meio da existência para o outro, seus leitores.
(Luís Antônio Contatori Romano. Os caminhos da liberdade, 2004.)
Para Sartre, a obra literária pode ser entendida como uma forma de