TEXTO
Minha desgraça
Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como trata-se um boneco...
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro...
Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem m’o dera!) é o dinheiro...
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.
(AZEVEDO, Álvares de. Melhores poemas. 6. ed. 1. reimpr. São Paulo: Global, 2008. p. 83.)
A sociedade atual evidencia vários tipos diferentes de desgraças coletivas, tais como pobreza, fome e guerras, entre outras. Contudo, a desgraça a que se refere o poema é individual.
Assinale a opção que a revela:
TEXTO
Minha desgraça
Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta,
Tratar-me como trata-se um boneco...
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro...
Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem m’o dera!) é o dinheiro...
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.
(AZEVEDO, Álvares de. Melhores poemas. 6. ed. 1. reimpr. São Paulo: Global, 2008. p. 83.)
Em relação ao poema “Minha desgraça” (Texto), de Álvares de Azevedo, assinale a alternativa correta:
TEXTO
de repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que eu te vi
o dia em que me viste
de repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em copacabana
(LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. 12. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 100.)
A segunda estrofe do Texto relata a atitude extrema de um pai que vende os filhos para livrá-los das dificuldades por que passam como membros da classe social menos privilegiada. São várias as razões que esse pai deve ter elencado até chegar a essa triste decisão. Acerca dessa temática, analise os itens a seguir:
I - A impossibilidade de superar as dificuldades é tão claramente perceptível ao pai, que o leva à atitude extrema de vender os filhos.
II - A justificativa para o ato extremo do pai pode ser desde o medo de que, caso os filhos permanecessem com ele, passariam por sérias dificuldades para suprir necessidades básicas.
III - O pai tinha tanto medo de ver os filhos privados das necessidades mais básicas do ser humano que preferiu a dor de tê-los distante de si.
IV - Contanto que seus filhos tivessem pelo menos as condições básicas para a sobrevivência digna, o sacrifício de separar-se deles valeria a pena.
Em relação às proposições analisadas, marque a alternativa correta que, relativamente à construção do período e seus operadores sintáticos, demonstra mais claramente a avaliação dos fatos por parte do pai:
TEXTO
A enxada
[...]
Na Forquilha, recebeu Supriano um pedaço de mato derrubado, queimado e limpo. Era do velho Terto, que não pôde tocar por ter morrido de sezão. Como o delegado houvesse aprevenido o novo dono de que Piano era muito velhaco, ao entregar a terra Elpídio ponderou muito braboso:
— Quero ver que inzona você vai inventar para não plantar a roça... Olha lá que não sou quitanda! Supriano não tinha inzona nenhuma.
Perguntou, porque foi só isso que veio à mente do coitado:
— E a enxada, adonde que ela está, nhô? Elpídio quase que engasga com o guspe de tanta jeriza:
— Nego à toa, não vale a dívida e ainda está querendo que te dê enxada! Hum, tem muita graça! Piano era trabalhador e honesto. Devia ao delegado porque ninguém era homem de acertar contas com esse excomungado. Pior que Capitão Benedito em três dobros. Se, porém, lhe pagassem o trabalho, capaz de aprumar. Não tinha muita saúde, por via do papo, mas era bom de serviço. Assim, diante da zoada do patrão, foi pelando-se de medo que o camarada arriscou um pedido:
— Me perdoa a confiança, meu patrão, mas mecê fia a enxada da gente e na safra, Deus ajudando, a gente paga com juro...
— Ocê que paga, seu berdamerda! — E Seu Elpídio ficou mais irado ainda. — Te dou enxada e ocê fica devendo a conta do delegado e a enxada pro riba. Não senhor. Vá plantar meu arroz já, já.
— Meu patrãozinho, mas plantar sem... — Elpídio o atalhou: — Vai-se embora, nego. E se fugir te boto soldado no seu rasto.
(ÉLIS, Bernardo. Melhores contos. 4. ed. São Paulo: Global, 2015. p. 58-59.)
O conto “A enxada”, de Bernardo Élis, publicado em 1966, apresenta um narrador onisciente que narra a luta dramática da personagem Supriano para conseguir uma ferramenta de trabalho, a enxada, que, embora seja o motor de toda a narrativa, está todo o tempo ausente. Há uma busca insana do protagonista para manter-se no mundo do trabalho como forma de sobrevivência. O diálogo entre patrão e empregado, apresentado nesse fragmento (Texto), mostra as relações de dominação, de submissão e de poder.
Com base na leitura do conto, nesse fragmento e na assertiva acima, assinale a alternativa que melhor caracteriza o discurso do narrador:
TEXTO
A velha engolida pela pedra
Não sou homem de igreja. Não creio e isso me dá uma tristeza. Porque, afinal, tenho em mim a religiosidade exigível a qualquer crente. Sou religioso sem religião. Sofro, afinal, a doença da poesia: sonho lugares em que nunca estive, acredito só no que não se pode provar. E, mesmo se eu hoje rezasse, não saberia o que pedir a Deus. Esse é o meu medo: só os loucos não sabem o que pedir a Deus. Ou não se dará o caso de Deus ter perdido fé nos homens? Enfim, meu gosto de visitar as igrejas vem apenas da tranquilitude desses lugarinhos côncavos, cheios de sombras sossegadas. Lá eu sei respirar. Fora fica o mundo e suas desacudidas misérias.
Pois numa dessas visitas me aconteceu o que não posso evitar de relembrar. A igrejinha era de pedra crua, dessa pedra tão idosa como a terra. Nem parecia obra de humano traço. Eu apreciava as figuras dos santos, madeiras com alma de se crer. Foi quando escutei uns bichanos. Primeiro duvidei. Eram sons que não se traduziam em nada de terrestre. Estaria eu a ser chamado por forças do além? Estremeci. Quem está preparado para dialogar com a eternidade? Os sibilos prosseguiam e, então, me discerni: era uma velha que me chamava [...]:
— Pssst, pssst.
— Eu?
— Sim, próprio você. Me ajude levantar
Tentei ajudá-la a se erguer. Desconsegui. Nem eu esperava peso tão volumoso daquela mínima criatura. [...] A velha não conseguia desajoelhar-se. [...] Que fazer? Me sentei ao lado da velha, hesitando em como lhe pegar.
— Vá me ajude, me empurre deste chão. Depresse-se, moço, que já estou ficando pedra.
[...] — Espere: vou chamar mais alguém.
— Não me deixa sozinha, meu filho. Não me deixe, por favor.
Me levantei para espreitar: a igrejinha estava vazia. [...]
[...]
Ainda me apliquei em novas forças, dobrei os intentos. Nem um deslizar da velha. De repente, eclatou o som iremediável de uma porta. Apurei os olhos na penumbra. Tinham fechado as pesadas portadas da igreja. Acorri, demasiado tarde. Chamei, gritei, bati, pés e mãos. Em vão. Tentava arrombar a porta, a velha me dissuadiu. Era pecado mais que mortal machucar a casa de Deus.
— Mas é para sairmos, não podemos ficar aqui presos.
Contudo, a porta era à prova de forças. A verdade era que eu e a beata estávamos prisioneiros daquele escuro. Acendi todas as velas que encontrei e me sentei junto da velha. Escutei as suas falagens: sabe, meu filho, sabe o que estive a pedir a Deus? Estive a pedir que me levasse, minha palhota lá em cima já está pronta. E eu aqui já me custo tanto! Problema é eu já não tenho corpo para ir sozinha para o céu. Estou tão velha, tão cansadíssima que não aguento subir todos esses caminhos até lá, nos aléns. Pedi sabe o quê? Pedi que me vertesse em pássaro, desses capazes de compridas voações, desses que viajam até passar os infinitos. É verdade, filho. Esta tarde pedi a Deus que me vertesse em pássaro. E me desse asas só para me levar deste mundo.
Adormeci nessa lenga-lengação dela. Me afundei em sono igual à pedra onde me deitava. Fiquei em total cancelamento: na ausência do ruído, dos queixumes e rebuliços da cidade. Acordei no dia seguinte, sacudido pelo padre: o que eu fazia ali, dormindo como um larápio, um pilha-patos? Expliquei o motivo da velha.
— Qual velha?, perguntou o sacerdote.
Olhei. Da velha nem o sopro. Não estava aqui uma senhora com os joelhos amarrados no chão? O padre, de impaciente paciência, me pediu que saísse. E que não voltasse a usar indevidamente o sagrado daquele lugar. Saí, cabistonto. Para além da porta, o mundo era de se admirar, coisa de curar antigas melancolias. A luz da manhã me estrelinhou as vistas. Nada cega mais que o sol.
Naquela estonteação me chegou a repentina visão de uma ave, enormíssima em branquejos. Ali mesmo, à minha frente, o pássaro desarpoava, esvoando entre chão e folhagens. Acenei, sem jeito, barafundido. Ela sorriu-me: que fazes, me despedes? Não, eu não vou a nenhum lado. Foi mentira esse pedido que eu fiz a Deus. Aldrabei-Lhe bem. Eu não quero subir para lá, para as eternidades. Eu quero ser pássaro é para voar a vida. Eu quero viajar é neste mundo. E este mundo, meu filho, é coisa para não se deixar por nada desse mundo.
E levantou voo em fantásticas alegrias.
(COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. 5. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p.121-124.)
A prosa de Mia Couto aproxima-se da poesia em razão de caracteres estilísticos muito peculiares da linguagem como as metáforas, a ironia, os recursos sonoros, semânticos, lexicais, sintáticos. No Texto, eles contribuem para a identificação entre o narrador e “a velha engolida pela pedra”.
Assinale a alternativa correta em que o trecho transcrito não apresenta um neologismo:
TEXTO
16
Meu avô me levava sempre em suas visitas de corregedor às terras de seu engenho. Ia ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo, dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. Ele parava de porta em porta, batendo com a tabica de cipó-pau nas janelas fechadas. Acudia sempre uma mulher de cara de necessidade: a pobre mulher que paria os seus muitos filhos em cama de vara e criava-os até grandes com o leite de seus úberes de mochila. Elas respondiam pelos maridos:
— Anda no roçado.
— Está doente.
— Foi pra rua comprar gás.
Outras se lastimavam de doenças em casa, com os meninos de sezão e o pai entrevado em cima da cama. E quando o meu avô queria saber por que o Zé Ursulino não vinha para os seus dias no eito, elas arranjavam desculpas:
— Levantou-se hoje do reumatismo.
O meu avô então gritava:
— Boto pra fora. Gente safada, com quatro dias de serviço adiantado e metidos no eito do Engenho Novo. Pensam que eu não sei? Toco fogo na casa.
— É mentira, seu coronel. Zé Ursulino nem pode andar. Tomou até purga de batata. O povo foi contar mentira pro senhor. Santa Luzia me cegue, se estou inventando.
E os meninos nus, de barriga tinindo como bodoque. E o mais pequeno na lama, brincando com o borro sujo como se fosse com areia da praia.
— Estamos morrendo de fome. Deus quisera que Zé Ursulino estivesse com saúde.
— Diga a ele que pra semana começa o corte da cana.
(REGO, José Lins do. Menino de engenho. 102. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2010. p. 57-58.)
Menino de engenho, de José Lins do Rego, é narrado por Carlinhos e se passa na fazenda de açúcar do avô do menino. No fragmento apresentado (Texto), o narrador expressa o seu ponto de vista sobre a relação entre o avô e os agregados da fazenda.
Assinale a alternativa que corretamente sintetiza o ponto de vista do narrador em relação ao avô: