Leia trechos de Memórias de um sargento de milícias para a questão.
Era no tempo do rei. [...]
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal-apessoado, e sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.
Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos: foram os dous (sic) morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.
Chegou o dia de batizar-se o rapaz: foi madrinha a parteira; sobre o padrinho houve suas dúvidas: o Leonardo queria que fosse o Sr. juiz; porém teve de ceder a instâncias da Maria e da comadre, que queriam que fosse o barbeiro de defronte, que afinal foi adotado. Já se sabe que houve nesse dia função: os convidados do dono da casa, que eram todos dalém-mar, cantavam ao desafio, segundo seus costumes; os convidados da comadre, que eram todos da terra, dançavam o fado. [...]
algibebe: mascate, vendedor ambulante.
saloia: aldeã das imediações de Lisboa.
maganão: brincalhão, jovial, divertido.
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: Tecnoprint S.A. s/d. p.31-34
Examine as sentenças abaixo acerca do trecho de Memórias de um sargento de milícias:
I. Memórias de um sargento de milícias é uma obra em prosa literária que faz uma reflexão acerca dos espaços, sobretudo urbanos, no Rio de Janeiro no início do século XIX, ocasião em que a Família real portuguesa de Dom João VI se refugiou no Brasil.
II. A referida obra possibilita uma reflexão acerca da transição entre o Romantismo e o Realismo no Brasil, evidenciando uma miscelânea de tendências, tais como a prosa regionalista e urbana.
III. A figura do malandro brasileiro retratada na citada obra não se identifica completamente com o malandro espanhol ou pícaro, a exemplo de que este seja um vassalo humilde que aprende por meio de seus próprios erros e aquele não.
IV. No Brasil, a palavra “picaretagem” tem relação semântica com a expressão espanhola “pícaro” que se refere “àqueles que vivem de astúcias, trapaças” mas, nesse sentido, não abrange os malandros de que trata a literatura brasileira, como em Memórias de um sargento de milícias e Macunaíma.
V. Embora a obra seja escrita no período do contexto histórico do Romantismo, não possui características fundamentais do movimento Romântico, como a idealização da mulher, a fantasia, o subjetivismo, o egocentrismo e o saudosismo.
VI. A forma de os brasileiros Maria e Leonardo, da época em que a obra foi escrita iniciarem um namoro condiz com a mensagem da letra da música do final do século XX, Entre tapas e beijos, de Leandro e Leonardo.
VII. A linguagem da obra é popularesca, coloquial, mais de acordo com a das pessoas de nível cultural “inferior”, pertencente a camadas sociais simples, antecipando características do Realismo Naturalismo, ainda não consolidado.
VIII. No trecho: “o menino de quem falamos é o herói desta história”, o termo “herói” está concebido de acordo com as características do herói épico.
IX. O trecho: “os convidados do dono da casa, que eram todos dalém-mar, cantavam ao desafio, segundo seus costumes; os convidados da comadre, que eram todos da terra, dançavam o fado.” enfatiza o processo de fusão da cultura de Portugal com a dos Nativos da Colônia brasileira, numa festa que celebra a determinação do destino do menino, confirmada pelo uso da expressão “dançavam o fado”.
X. O texto deixa claro que o apadrinhamento batismal, na concepção do pai, não está contaminado de interesses por poderes econômicos e sociais, mas de valores afetivos.
A diferença entre a soma dos números das sentenças acima corretas e a soma dos números das sentenças acima incorretas é: