O PODER DE DEUS
Zé Maria e Alice começaram a namorar numa festa de cruzeiro. Ele era retireiro, ela cozinhava na fazenda. Quando resolveram casar, trataram de fazer uma cafua, formar jardim, plantar horta-de-couve, vedada com bambu em pé, por causa das galinhas. Do alto da serra vinha no cascalho uma água clara, servia a bica, na porta da cozinha, depois descia horta abaixo. De noite, o rego d’água marulhava, era uma beleza.
Um dia de sábado, depois do almoço, Zé Maria bebeu café e sentou no banquinho na banda de fora. Tirou a palha do bolso de trás, pegou a faca, começou a fazer o pito. Alice, não passou muito, acabou de arrumar a cozinha e veio pra janela. Já andava muito gorda, pesadona, o menino devia nascer dentro de mês e pouco. Ela gostava de ficar em pé depois da comida, mesmo sentindo pressão nas veias das pernas.
Zé Maria, alisando a palha com o corte da faca, pensava em como ia ser bonito o crioulinho (ou crioulinha) que ia nascer: pra ele não fazia diferença se fosse homem ou mulher. Havia de ser uma beleza, de certo ia puxar a mãe. Ele também não era de jogar fora, em solteiro nunca faltou namorada, vivia rodeado de moça.
Tinha acabado de alisar a palha, ia pegando o fumo no bolso quando Alice, já na janela, limpou a garganta e perguntou:
- Zé?
- Hein
- Hein.
- Ocê acha que Deus, se quiser, pode fazer chover, mesmo sendo um dia clarinho como esse de hoje?
- Acho.
- Assim de repente?
- Acho.
Pegou o fumo, foi picando devagar, bem devagarinho, rendendo aquela hora de pachorra que ele apreciava tanto. O fumo picado na mão esquerda, foi esfregando os pedacinhos com o polegar e o indicador da mão direita, esmigalhando, até não ter nenhum toco, nenhum fiapo mais grosso, fazia o cigarro apagar.
Aí Alice falou:
- Zé? Depois de ter chovido, ocê acha que Deus, se Ele quiser, pode fazer tudo secar duma
hora pra outra?
- Acho.
- Mesmo tendo sido chuva de dilúvio?
- É.
Zé Maria abriu a palha, fez uma espécie de chochozinho, foi espalhando o fumo. Acertou a camada e começou a enrolar, nem muito apertado nem muito bambo: regular. Alice perguntou:
- Ocê acha, Zé, que se Deus quiser que geia, mesmo sendo na volta do dia, tem base de gear?
- Acho. Deus tem poder de fazer tudo que Ele quiser.
- Tudo mesmo, Zé?
- É. Mas por que essa perguntação, Alice?
- À toa, Zé. A gente fica pensando...
Ela não acabou a frase, ele não perguntou nada. Tirou a binga do bolso, abriu, lembrou do velho Severino, seu avô. Tinha sido presente dele, hoje não encontrava mais. Pegou o fuzil, um pedaço de ferro, mais a pedra-figo, começou a bater. A primeira fagulha que caiu soprou calibrado, foi soprando, logo aparecia o fogo, aquela cor bonita dentro do cilindro de lata.
Quando ele ia acendendo o cigarro, a mulher perguntou:
- Se for muito da vontade de Deus, mas muito mesmo, que a gente tem um filho branco, ou quem sabe, mulato, ocê acha que Ele pode fazer isso?
- Pode, Alice.
Ela já ia respirando aliviada, quase sem acreditar, quando ele completou:
- Poder, pode, mas só tem uma coisa...
- O que é, Zé Maria?
- ... ocê vai levar um cacete que, se viver pra lembrar, nunca mais há de esquecer.
(ROMANO, Olavo. Minas e seus casos. São Paulo: Ática, 1984, p. 51-53)
O texto apresenta um vocabulário bem regional, cuja função é obter a verossimilhança. Releia estes fragmentos do texto, atentando-se para o sentido das palavras destacadas.
I. “Quando resolveram casar, trataram de fazer uma cafua, formar jardim, plantar horta-decouve, vedada com bambu em pé, por causa das galinhas.”
II. “Pegou o fumo, foi picando devagar, bem devagarinho, rendendo aquela hora de pachorra que ele apreciava tanto.”
III. “A primeira fagulha que caiu soprou calibrado, foi soprando, logo aparecia o fogo, aquela cor bonita dentro do cilindro de lata.”
Agora assinale a alternativa cujas palavras podem, pela ordem, substituir as palavras destacadas no contexto em que se encontram, sem prejuízo de sentido: