TEXTO:
O amor a Deus, pelo qual o poder assegura a
submissão do homem medieval, é substituído, nas
sociedades capitalistas, pelo amor à pátria, dever do
cidadão. Embora se instalem essas diferenças no
5 desenvolvimento da história, tanto o poder religioso como
o político se exercem pelo amor e pela crença. Esses
são o suporte da autoridade.
Contudo não é só pela violência física ou
verbal que se encontram os meios de se obter a
10 submissão. Há uma violência mais insidiosa e eficaz: a
do silêncio. E o poder, além de silenciar, também se
exerce acompanhado desse silêncio. Esse, por sua vez,
numa sociedade como a nossa, se legitima em função
do amor à pátria e da crença na responsabilidade do
15 cidadão.
Tais reflexões levam Cl. Haroche (1984) a dizer que,
com esse silêncio, o Estado procura manter a distância,
ignorar, e mesmo sufocar, a questão crucial do sujeito,
isto é, dos modos com que o sujeito pensa, deseja,
20 critica, resiste.
Nos trabalhos em que procurei refletir a respeito
da questão indígena — sobre educação indígena (1982),
sobre discurso das lideranças indígenas (1984) e sobre
a relação entre língua e cultura dos pataxós (1985) —,
25 pude constatar que, no caso do contato cultural entre
índios e brancos, o silenciamento produzido pelo Estado
não incide apenas sobre o que o índio, enquanto sujeito,
faz, mas sobre a própria existência do sujeito índio. E,
quando digo Estado, digo o Estado brasileiro do branco,
30 que silencia a existência do índio enquanto sua parte
e componente da cultura brasileira.
Nesse Estado, o negro chega a ter uma
participação. De segunda classe, é verdade, mas tem
uma participação, à margem. O índio é totalmente
35 excluído. No que se refere à identidade cultural, o índio
não entra nem como estrangeiro, nem sequer como
antepassado.
Esse processo de apagamento do índio da
identidade cultural nacional tem sido escrupulosamente
40 mantido durante séculos. E se produz pelos mecanismos
mais variados, dos quais a linguagem, com a violência
simbólica que ela representa, é um dos mais eficazes.
“Os portugueses descobriram o Brasil”. Daí se
infere que nossos antepassados são os portugueses e
45 o Brasil era apenas uma extensão de terra. “Havia”
selvagens arredios que faziam parte da terra e que,
“descobertos”, foram o objeto da catequese. São, desde
o começo, o alvo de um apagamento, não constituem
nada em si. Esse é o seu estatuto histórico “transparente”:
50 não constam. Há uma ruptura histórica pela qual se
passa do índio para o brasileiro, através de um “salto”.
ORLANDI, Eni Puccinelli: Pátria ou Terra: o índio e a identidade nacional. Terra à vista — Discurso do confronto: Velho e Novo Mundo. 2. ed. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2008. p. 65-66. Adaptado.
Depois de ler o texto, marque V ou F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as afirmativas abaixo.
( ) Uma das maiores violências praticadas contra o elemento nativo do Brasil foi o seu apagamento como sujeito histórico.
( ) O elemento indígena, no Brasil-Colônia, comportou-se como um ser passivo e negativo para a cultura nacional.
( ) O índio, elemento excluído da cultura brasileira, é responsabilizado pela sua interdição nesse contexto.
( ) O historicamente não dizível relatado no texto constitui um mal político de uma cultura de tradição hegemônica.
( ) O negro e o índio, do ponto de vista histórico, tiveram o mesmo grau de apagamento como antepassados nacionais.
A alternativa que contém a sequência correta, de cima para baixo, é a