Leia o excerto do texto Um lugar todo meu, de Heloísa Helena:
Depois que tudo se aquieta, quando nem mais o telefone toca, clareio apenas alguns recantos da minha casa e caminho até a varanda, aquela de onde sou capaz de contemplar mais longe e profundamente.
Não os telhados e muito menos os alpendres das casas dos vizinhos, porém os meus dias, as minhas noites, brilho e penumbra do muito que já passou ou ainda é.
São lembranças ao alcance do meu querer. Bastame chamá-las, como agora faço. Pouco a pouco, percebo que impressões começam a chegar, assenhoram-se de mim e fazem do momento um meu instante valioso e único.
Elas tanto vêm de ontem..., são de hoje..., ora vozes..., ora gestos..., reminiscências nem sempre de todo boas ou de todo más, algumas delas constantes na memória, outras já distantes, tal qual imagens de fotos antigas que, com o passar do tempo, começam a se apagar.
O resultado disso é a complexa agitação do meu interior, vestígio de movimentos descontínuos e entremeados de alegria e de pesar, quando acontece a irrequieta convivência do ir e vir dos sentimentos. [...]
O lugar da minha casa, que um dia já foi pasto, agora é pomar para barulhentas ararinhas que brigam por mangas maduras pelo calor do sol e adoçadas pelo luar. [...]
Gentes queridas e amigas já passaram pela minha casa. E mesmo que todas essas pessoastenham saído para seguir seu próprio destino, cada quarto, sala, cozinha, todos os cômodos da minha morada guardam riso, cheiro, som, que jamais desapareceram dos meus sentidos, porque presentes fortemente em mim.
Então, quando ando pela minha casa, não atravesso os seus espaços tão somente. Traços do que vivi me acompanham. E assim sendo, caminho sabendo que apoiei escolhas, desembaracei linhas e, sobretudo, que meu abraço aliviou angústias, sossegou preocupações.
Porém, esse meu lugar me serve também de refúgio. Nele posso chorar sem acanhamento, posso destruir ilusões, pôr a nu meus desencantos. Mesmo quando tudo parece desmoronar, eu confio na sua proteção.
[...]
(BORGES, Heloísa Helena de Campos. As fomes do mundo & outras crônicas. Goiânia: Kelps, 2018. p. 61-63. Adaptado.)
Com base na leitura deste fragmento, é possível inferir que
I - a função de linguagem predominante coloca em foco o enunciador da mensagem e busca expressar sua atitude em relação ao enunciado.
II - a construção desse gênero textual coexistem as sequências tipológicas narrativa, descritiva e dissertativa.
III - no trecho “Elas tanto vêm de ontem..., são de hoje..., ora vozes..., ora gestos...”, o emprego das reticências comprometeram a clareza da mensagem.
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