Questões de Português - Gramática - Semântica - Hiperônimo
O texto a seguir é referência para a questão.
Um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley mapeou como nosso cérebro reage diante da linguagem. A descoberta é que ele separa as palavras por categorias de acordo com seu significado. A pesquisa foi publicada na revista Nature, nesta quarta-feira (27).
Para chegar aos resultados, os pesquisadores fizeram com que sete participantes ouvissem, por mais de duas horas, histórias contadas na rádio. Nesse período, os cientistas acompanharam a atividade neural por meio de imagens de ressonância magnética (fMRI), técnica capaz de detectar variações no fluxo sanguíneo. E mapearam o que acontecia no cérebro quando 985 palavras eram ouvidas.
Ao analisar as imagens, os pesquisadores perceberam que palavras relacionadas com números, por exemplo, acionaram uma mesma área do cérebro. As relacionadas com locais, acionavam uma outra parte do cérebro. Uma mesma palavra acionava mais de uma área do cérebro se tivesse mais de um significado.
Ao todo, foram identificadas 12 categorias: “tátil” (como dedos), “visual” (como amarelo), “numérica” (quatro), “localidade” (estádio), “abstrato” (natural), “temporal” (minutos), “profissional” (reunião), “violência” (letal), “público” (escola), “emocional” (desprezado) e “social” (criança).
A descoberta confirma algo que já era percebido em casos de lesões cerebrais, avalia Marcio Luiz Balthazar, da Academia Brasileira de Neurologia.
“Em lesões, como o AVC, as pessoas podem perder a capacidade de nomear ferramentas, mas continuam sabendo nomear uma série de animais. Ou vice-versa. As áreas do cérebro que ajudam a nomear essas categorias são diferentes, mas atuam de forma integrada”, afirma.
A pesquisa aponta ainda que o sistema semântico é organizado no nosso cérebro por meio de padrões que se repetem em cada indivíduo. A hipótese levantada pelos pesquisadores é que essa “coincidência” pode ter a ver com as experiências culturais de cada um. Contudo, apenas pessoas ocidentais e falantes da língua inglesa participaram do estudo.
Outra importante descoberta encontrada pelos pesquisadores da Universidade da Califórnia é que a distribuição semântica no cérebro é relativamente simétrica em mais de cem áreas divididas pelos dois hemisférios. Estudos anteriores acreditavam que o lado esquerdo do cérebro era o responsável pela linguagem.
Jack Gallant, neurocientista que fez parte da equipe, acredita ser importante que novas experiências sejam feitas agora levando em conta pessoas de diferentes culturas.
Para neurologistas, a descoberta pode ajudar nas reabilitações de lesões cerebrais.
“Toda pesquisa que envolve áreas cerebrais é importante porque vai dar a capacidade para o profissional, através de um exame de imagem, conseguir definir por que um paciente tem determinado problema de fala”, diz Leonardo Faria, neurocirurgião pela Universidade Federal de Uberlândia e idealizador do grupo MeuCérebro.
Além disso, Faria acredita que estudos nesse sentido auxiliam na programação de cirurgias. “Hoje temos equipamentos que conseguem delimitar a área de incisão cirúrgica. Pode-se extrair um tumor, por exemplo, sem lesar outras áreas, mantendo as funções”.
Quanto à descoberta da organização semântica ser simétrica nos dois hemisférios do cérebro, o neurologista Marcio Balthazar faz ressalvas. “Não é bem assim. Pessoas com lesões no lado esquerdo têm doenças que afetam a linguagem, já no lado direito isso não acontece”, comenta.
Segundo ele, a linguagem é uma função mental lateralizada predominantemente no hemisfério esquerdo. O direito também tem um papel linguístico, mas é um papel de entonação, musicalidade e interpretação do duplo sentido.
(Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2016/04/27/cerebro-separa-palavras-por-significado- -mostra-estudo.htm. Acesso em 1º set. 2016.)
Com base na classificação apresentada no texto, numere a coluna da direita, associando as palavras da coluna da esquerda com as respectivas categorias.
1. “Temporal”.
2. “Profissional”.
3. “Visual”.
4. “Tátil”.
5. “Emocional”.
( ) Áspero.
( ) Ansiedade.
( ) Agenda.
( ) Semana.
( ) Enfeitado.
Assinale a alternativa que apresenta a numeração correta da coluna da direita, de cima para baixo.
Durante este período de depressão contemplativa, uma coisa apenas magoava-me: não tinha o ar angélico do Ribas, não cantava tão bem como ele. Que faria se morresse, entre os anjos, sem saber cantar?
Ribas, quinze anos, era feio, magro, linfático. Boca sem lábios de velha carpideira, desenhada em angústia – a súplica feita boca, a prece perene rasgada em beiços sobre dentes; o queixo fugia-lhe pelo rosto, infinitamente, como uma gota de cera pelo fuste de um círio...
Depois cantava as orações com a doçura feminina de uma virgem aos pés de Maria, alto, trêmulo, aéreo, como aquele prodígio celeste de garganteio da freira Virgínia em um romance do conselheiro Bastos.
Oh! não ser eu angélico como o Ribas! Lembro-me bem de o ver ao banho: tinha as escápulas magras para fora, como duas asas!
POMPÉIA, Raul. O Ateneu. 16ª ed., São Paulo: Ática, 1996 (adaptado).
No poema, há as palavras “corpo” (v. 05), “cabelos” (v. 07) e “pés” (v. 09), considerando a primeira associada à segunda e à terceira, estabelecendo, assim, uma relação semântica de
Leia o texto para responder às questão.
O desenvolvimento do romance brasileiro mostra quanto a nossa literatura tem sido consciente da sua responsabilidade na construção de uma cultura. Os românticos, em especial, se achavam possuídos de um senso de missão, um intuito de exprimir a realidade específica da sociedade brasileira.
Quando se fala na irrealidade ou convencionalismo dos romancistas românticos, é preciso notar que os bons, dentre eles, não foram irreais na descrição da realidade social, mas apenas nas situações narrativas. É digna de reparo a circunstância de não haverem, nos romances regionalistas e urbanos, inventado personagens socialmente inverossímeis, como se poderia esperar devido à influência estrangeira. Mais do que ela, funcionou aqui a fidelidade ao meio observado: e apesar da fascinação exercida por um escritor como Alexandre Dumas (1802-1870), nunca se traçou em nossa literatura um personagem como Monte Cristo, incompatível com as condições ambientes. Estude-se a influência do Romance dum Rapaz Pobre, do francês Octave Feuillet, em Senhora para se apreciar o tato com que José de Alencar manuseava sugestões europeias.
(Antonio Candido. Formação da literatura brasileira, 1971. Adaptado.)
Quanto ao sentido, pertencem a campos opostos as palavras “inverossímeis” (2º parágrafo) e
Texto 1
ENGENHEIROS DA VITÓRIA
Solução de problemas na história
[...] Quando se fala na eficiência em conseguir equipamentos de combate e transferir combatentes de A para
B, os britânicos são campeões; certamente isso não foi por causa de alguma inteligência especial, mas pela
ampla experiência em organização e senso crítico depois de enfrentar chances adversas em 1940, juntamente
com a perspectiva de derrota. Aqui a necessidade foi a mãe da invenção. Eles tinham que defender suas cidades,
[5] transportar tropas até o Egito, apoiar os gregos, proteger as fronteiras da Índia, trazer os Estados Unidos para a
guerra e depois levar aquele imenso potencial americano para a área da Europa. Era mais um problema a ser
resolvido. Como foi possível fazer com que 2 milhões de soldados americanos, depois de chegar as bases de
Clyde, fossem para bases no sul da Inglaterra preparando-se para o ataque à Normandia, quando a maior parte
das ferrovias britânicas estava ocupada em transportar vagões de carvão para as fábricas de ferro e aço que
[10] não podiam parar de produzir?
Como se viu, uma organização composta por pessoas que cresceram decorando os horários da estrada de
ferro de Bradshaw como passatempo pode fazer isso, enquanto os altos comandantes consideravam que tudo
estava garantido porque confiavam na capacidade de seus administradores de nível médio. Churchill acreditava
que o melhor era não se preocupar demais com os problemas, pois tudo se resolveria, isto é, uma maneira havia
[15] de ser encontrada, passo a passo.
Há uma outra forma de pensar sobre essa história de soluções de problemas, e ela vem de um exemplo
bem contemporâneo. Em novembro de 2011, enquanto o genial líder da Apple, Steve Jobs, recebia inúmeras
homenagens póstumas, um artigo intrigante foi publicado na revista New Yorker. Nele o autor, Malcom Gladwell,
argumentava que Jobs não era o inventor de uma máquina ou de uma ideia que mudou o mundo; poucos
[20] seres o são (exceto talvez Leonardo da Vinci e Thomas Edison). Na verdade, seu brilhantismo estava em
adotar invenções alheias que não deram certo, a partir das quais construía, modificava e fazia aperfeiçoamentos
constantes. Para usar uma linguagem atual, ele era um tweaker, e sua genialidade impulsionou como nunca o
aumento de eficiência dos produtos de sua companhia.
A história do sucesso de Steve Jobs, contudo, não era nova. A chegada da Revolução Industrial do século
[25] XVlIll na Grã-Bretanha — muito provavelmente a maior revolução para explicar a ascensão do Ocidente — ocorreu
porque o país possuía uma imensa coleção de tweakers em sua cultura que encorajaram o progresso [...]
A história da evolução do tanque T-34 soviético, de um grande pedaço de metal mal projetado e fraco para
uma arma de guerra mortífera, segura e de grande mobilidade, não foi uma história contínua de tweaking? Não
foi esse também o caso do grande bombardeiro americano, o B-29, que no início estava tão mergulhado em
[30] dificuldades que chegou a se propor seu cancelamento até que as equipes da Boeing resolveram os problemas?
E as miraculosas histórias do P-51 Mustang, dos tanques de Percy Hobart e de um poderoso sistema de radar
tão pequeno que poderia ser inserido no nariz de um avião patrulha de longa distância e virar a maré na Batalha
do Atlântico? Depois que se unem os diversos pedaços espalhados, tudo se encaixa. Mas todos esses projetos
exigiram tempo e apoio.
[35] Na verdade, os administradores de grandes companhias mundiais provavelmente se surpreendam diante,
digamos, do planejamento e orquestração do almirante Ramsay nos cincos desembarques simultâneos no Dia
D e gostariam de poder realizar um décimo do que ele fez.
Em suma, a vitória em grandes guerras sempre requer organização superior, o que, por sua vez, exige
pessoas que possam dirigir essas organizações, não com um interesse apenas moderado, mas da maneira
[40] mais competente possível e com estilo que permitirá às pessoas de fora propor ideias novas na busca da vitória.
Os chefes não podem fazer isso tudo sozinhos, por mais que sejam criativos e dotados de energia. É necessário
haver um sistema de apoio, uma cultura de encorajamento, feedbacks eficientes, uma capacidade de aprender
com os revezes, uma habilidade de fazer as coisas acontecerem. E tudo isto tem de ser feito de uma maneira
que seja melhor do que aquela do inimigo. É assim que as guerras são vencidas. [...]
[45] O mesmo reconhecimento merecem, por certo, os militares de nível médio que mudaram a Segunda Guerra
Mundial, transformando as agressões do Eixo em 1942 em avanços irreversíveis dos Aliados em 1943-44, e
finalmente destruindo a Alemanha e o Japão. É verdade, alguns desses indivíduos, armamentos e organizações
são reconhecidos, mas em geral de uma forma fragmentada e popularizada. É raro que esses fios isolados sejam
tecidos em conjunto para mostrar como os avanços afetaram as muitas campanhas, fazendo a balança pender
[50] para o lado dos Aliados durante o conflito global. Mais raro ainda é a compreensão de como o trabalho desses
vários solucionadores de problemas também precisa ser incluído numa importante “cultura do encorajamento”
para garantir que simples declarações e intenções estratégicas de grandes líderes se tornem realidade e não
murchem nas tempestades da guerra. Se isso é o que acontece, então vivemos com uma grande lacuna em
nossa compreensão de como a Segunda Guerra Mundial foi vencida em seus anos cruciais.
KENNEDY, Paul. Engenheiros da Vitória: Os responsáveis pela reviravolta na Segunda Guerra Mundial. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 407- 428 (texto adaptado).
Texto 2
Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos mais importantes poetas da literatura portuguesa. Criou uma obra de natureza filosófica sobre a consciência e as suas mais profundas inquietações existenciais. Expressou uma personalidade estética multifacetada por meio dos heterônimos, os quais consistiam em várias identidades que detinham biografia e características psicológicas distintas: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Bernardo Soares e Álvaro de Campos, um engenheiro naval, a quem se deve a “Ode triunfal”. Esse heterônimo apresenta uma personalidade estética marcada pelas concepções futuristas e pela intenção de assimilar ao eu lírico a realidade exterior, considerada em suas manifestações mais prosaícas, ao mesmo tempo em que aquele se projeta no mundo.
ODE TRIUNFAL
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
[5] Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-rr-1 eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
[10] — Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
(Com um excesso contemporâneo de vós, é máquinas!
[15] — Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
[20] — Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
“Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
[25] — Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
[30] — Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
AA todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
[35] — Do rodar férreoe cosmopolita
Dos comboios estrênuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
[40] — E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!
Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas
[45] — Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993), p. 144 (texto adaptado).
Leia atentamente o texto abaixo:
"[...] quando a maior parte das ferrovias britânicas estava ocupada em transportar vagões de carvão para as fábricas de ferro e aço [...]” (Texto 1, linhas 8 e 9).
"Dos comboios estrênuos;" (Texto 2, linha 36)
Nos excertos dos Textos 1 e 2, o par de palavras destacadas estabelece, respectivamente, as relações semânticas de:
Um caso de burro
Machado de Ássis
Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no
momento de pegar na pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe parecerá vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não são iguais.
Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar não era próprio para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois, vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz cabeceava, mais tão frouxamente, que parecia estar próximo do fim.
Diante do animal havia algum capimespalhado e uma lata com água. Logo, não foi abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer que seja que o deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão. O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais jargos e eternos. Meia dúzia de curiosos tinha parado ao pé do animal, Um deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na anca do burro para espertá-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não estava do lado do pescoço, mas justamente do lado da anca, Diga- se a verdade; não o fez — ao menos enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos.
O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos. Era um trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu um burro mostra que o fenômeno foi mal entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto à matéria do pensamento, não há dúvidas que é O exame da consciência. Agora, qual foi o exame da consciência daquele burro, é o que presumo ter lido no escasso tempo que ali gastei, Sou outro Champollion, porventura maior, não decifrei palavras escritas, mas ideias íntimas de criatura que não podia exprimi-las verbalmente.
E diria o burro consigo:
“Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele como linguagem. Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e continuei a gurrar por ser costume velho, não com ideia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão. Quando passei do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem morto ou pisado na rua, mas a prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui O cocheiro na fuga; deixava-me estar aguardando autoridade.”
“Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a minha índole contrária a arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo nenhuma revolução declarado os direitos do burro, tais direitos não existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele; nenhuma coroa os obrigou. Monarquia, democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo, teve em conta os interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regime, ronca O pau. O pau é a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu único defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo. Até aqui os males que não fiz; vejamos os bens que pratiquei.”
“A mais de uma aventura amorosa terel servido, levando depressa o tílburi e o namorado à casa da namorada — ou simplesmente empacando em lugar onde o moço que ia ao bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos devedores terei conduzido para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a muita gente, esta filosofia que consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos. Quando algum homem, desses que chamam patuscos, queria fazer nr os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que me dessem tapas e punhadas na cara. Em fim...”
Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso. Contente da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer. À consideração, porém, de que todos os burros devem ter os mesmos dotes principais, fez-me ver que os que ficavam não seriam menos exemplares do que esse. Por que se não investigará mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se escreveu que é superior ao homem, e da formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas instituições políticas são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o mesmo ao burro, que é maior?
Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já morto.
Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante, mas à infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver nem nada. Assim passam Os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer que, se ele não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de século. Requiescai in pace.
Assinale a opção em que o termo burro é recuperado por meio de um hiperônimo.
Leia os textos I e II para responder à questão a seguir.
TEXTO I
Vivamente empenhado em reduzir o deficit de caixa do Tesouro (...), o governo tem se preocupado com o problema de redução dos gastos do “erário”.
Diário de Pernambuco
TEXTO II
Existem evidências de que os sapos habitam a terra desde o período jurássico. Mas, ao contrário dos dinossauros, a mais imponente estirpe de 200 milhões de anos atrás, os “anfíbios” sempre foram considerados párias do reino animal.
Época
A substituição de uma unidade lexical por outra é um recurso coesivo pelo qual se promove a ligação entre dois elementos textuais. Implica, pois, como o próprio nome indica, o uso de uma palavra no lugar de outra que lhe seja textualmente equivalente. Observe as palavras “erário”, destacada no Texto I, e “anfíbios”, destacada no Texto II, as quais são usadas para substituírem outras palavras nos respectivos textos.
Esse processo de substituição ocorre respectivamente, nos textos I e II, por
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