Questões de Português - Leitura e interpretação de textos - Gêneros textuais - Verbais/Narrativos - crônica
“Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.”
Clarice Lispector. “Insônia infeliz e feliz”. In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Considerando as características do trecho apresentado, pode-se afirmar que ele pertence a uma crônica, pois
Texto
A importância dos povos indígenas para a proteção de florestas
Jennifer Ann Thomas
Enquanto áreas privadas registram índices mais
altos de desmatamento, terras indígenas são
conhecidas como barreiras contra o
desmatamento.
[5] A situação dramática dos indígenas
Yanomamis em Roraima evidenciou como este
povo foi negligenciado durante anos, a ponto de a
Polícia Federal abrir um inquérito para investigar
se houve crime de genocídio contra a etnia.
[10] Estima-se que cerca de 28.000 indígenas vivam na
Terra Indígena Yanomami, a maior reserva
indígena do Brasil.
Em 2022, o número de garimpeiros no
território, que exploram ouro de forma ilegal,
[15] passou de 20.000 indivíduos. O garimpo ilegal é
associado à contaminação por mercúrio, ao
aumento da violência e à exploração sexual, além
de ser um crime ambiental que explora recursos
naturais do país.
[20] Os povos originários do Brasil são parte da
história e da formação cultural do país. Além da
riqueza cultural associada aos diversos modos de
vida, às línguas e aos saberes tradicionais, os povos
indígenas são reconhecidos como os maiores
[25] guardiões das florestas no mundo.
De acordo com um levantamento do
MapBiomas, “os territórios indígenas estão entre
as principais barreiras contra o avanço do
desmatamento no Brasil. Nos últimos 30 anos, as
[30] terras indígenas perderam apenas 1% de sua área
de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas
a perda foi de 20,6%”.
Segundo a Organização das Nações
Unidas, povos indígenas representam cerca de 5%
[35] da população mundial, ao mesmo tempo em que
correspondem de 10% a 30% das pessoas mais
pobres do mundo.
Em um estudo publicado no periódico
Current Biology em novembro de 2022, que
[40] analisou o impacto de terras indígenas protegidas
em florestas tropicais, os pesquisadores
escreveram que “áreas indígenas protegidas
tiveram o maior efeito protetor sobre a
integridade da floresta e a menor intensidade de
[45] uso da terra em relação às terras indígenas, áreas
protegidas e controles não protegidos”.
As imagens chocantes que mostraram as condições
em que vivem os Yanomamis do Brasil
evidenciaram como um povo inteiro está
[50] ameaçado. Em nota, o Ministério Público Federal
(MPF) afirmou que “a grave situação de saúde e
segurança alimentar sofrida pelos povos
Yanomamis resulta da omissão do Estado brasileiro
em assegurar a proteção de suas terras”. Proteger
[55] os povos originários é defender, também, a
história, a cultura e o meio ambiente do Brasil.
https://veja.abril.com.br/agenda-verde/a-importancia-dospovos-indigenas-para-a-protecao-de-florestas/ 25 jan 2023.Texto adaptado.
O texto pertence ao gênero textual
Leia a crônica “José de Nanuque”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
Como se não bastasse o excesso de população deste mundo, os homens estão detectando a existência de outros mundos habitados, no espaço sideral, e suspiram, emocionados: “Não estamos sós”. E quem disse que estamos sós, se andamos tão acotovelados pelas avenidas da Terra? Pois, como se tudo isso não fosse suficiente, correm às matas de Nanuque e de lá retiram à força José Pedro dos Santos, último promeneur solitaire1 de que havia notícia, o homem que vivia com uma fogueira acesa, espantando onça e, sobretudo, gente.
— Venha, rapaz! Queremos que participe das maravilhas da civilização!
— Vocês me arranjam casa pra morar?
— Bem, isso atualmente está difícil, José.
— Emprego?
— Só se você for concursado, e houver vaga.
— E comida?
— Depois nós conversamos. Venha depressa, estão nos chamando de outras galáxias!
José recalcitra: estava tão bem ali! Não paga aluguel, não preenche o formulário do imposto de renda, não faz fila para nada, não tem horário nem patrão, come carne variada, segunda-feira paca, terça peixe, quarta aves, quinta raízes e tubérculos, sexta frutas, sábado...
— Mais uma razão para vir. Está desfrutando privilégios, e todos são iguais perante a lei!
Outra razão forte: os fazendeiros de Nanuque reclamavam contra esse homem estranho, embrenhado no mato, fazendo Deus sabe lá o quê. Em vão José alega que os ajuda, espantando onça com seu facho noturno. As onças não devem ser espantadas, sustentam a beleza selvagem da região. Esse homem não trabalha na lavoura, como os outros; não produz, não rende, e, embora não pese a ninguém, pesa globalmente no espírito de todos, com seu mistério. O fato de não produzir não é o mais grave; tolera-se cá fora, à luz do dia, honradamente: mas no interior da mata? Que ideia faz esse sujeito do contrato social? Nenhuma. Está se ninando para o contrato social. Não é possível. Tragam José para perto de nós, ele tem de aprender ou reaprender a vida apertada que levamos.
José tem medo. Os homens, as cidades, os códigos, até os prazeres intervalares dos civilizados lhe dão medo. O motor de sua volta ao estado natural foi menos o amor à natureza do que o pânico. Em cada homem vê um perigo, em cada situação uma ameaça, em cada palavra uma condenação. Com as árvores e os bichos ele se entende. Nu e experimentado, conhece e domina o ambiente em que vive sem maiores riscos. Na cidade não praticara ação criminosa, e foi isso precisamente que o fez embrenhar-se na mata. Inocente, faltavam-lhe as provas negativas de sua inocência; se cometesse qualquer malfeito, poderia mentir e salvar-se, mas, estando puro e desarmado diante do sistema, como mentir, senão confessando a falta imaginária, e, portanto, condenando-se? A solução era virar bicho. Virou, com êxito.
Agora trazem José para a capital, incorporam-no ao estranho maquinismo, ao estatuto sombrio, inexplicável; ele é condenado a viver como os outros, no grau inferior. José está salvo ou perdido? O certo é que nunca mais brilhará, na mata de Nanuque, aquele foguinho solitário.
Todos são iguais perante a lei.
Não estamos sós.
(Carlos Drummond de Andrade. Caminhos de João Brandão, 2016.)
1promeneur solitaire: caminhante solitário.
O cronista inclui o leitor em sua narrativa no seguinte trecho:
O bebê de tarlatana rosa
— [...] Na terça desliguei-me do grupo e cal no mar alto da depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade inteira estava assim. É o momento em que por trás das máscaras as meninas confessam paixões aos rapazes, é o instante em que as ligações mais secretas transparecem, em que a virgindade é dúbia, e todos nós a achamos inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga. Nesse momento tudo é possivel, os maiores absurdos, os maiores crimes; nesse momento há um riso que galvaniza os sentidos é O beijo se desata naturalmente.
Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida. Nada de raparigas do galarim perfumadas e por demais conhecidas, nada do contato familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita gente sofre do mesmo mal no carnaval.
RIO J Dentro da noite SBo Pasto Antiqua. 2002,
No texto, o personagem vincula ao carnaval atitudes e reações coletivas diante das quais expressa
Para responder a questão, leia a crônica “Atletas”, de Paulo Mendes Campos, publicada originalmente em 23.06.1959.
[...]
De todas as modalidades de atletismo, o mais belo, o mais solitário, o mais cruel, é o salto em altura. Elevar-se do chão, lutar contra o monótono e melancólico peso do corpo, eliminar a gravidade desse corpo até o limite máximo do possível, é um dos sacrifícios mais desumanos que o homem pode exigir de si mesmo. Daí, a meu ver, ser o salto em altura o adestramento básico de todos os esportes. A carne é pesada, triste, medonhamente agarrada ao solo, resignando-se às leis da terra. Assim, o salto, imaterial, é um exercício do espírito. Só uma ansiedade indomável de pureza pode permitir que uma criatura terrena se eleve mais de dois metros no ar, para transpor o obstáculo acima de sua cabeça, acima de sua compreensão. Segue-se a queda, o retorno à terra; não importa, ele tentou o impossível e o conseguiu. Por um momento, desde o instante em que se concentrou para o salto, a besta adormeceu, e um anjo se apossou de seu corpo. É o anjo que sobe ao ar e ultrapassa o sarrafo; o homem desce de novo à terra.
Todas as formas de atletismo são alegóricas, e por isso permanecem. Apenas o salto em altura confia-nos com uma clareza elementar o seu significado.
Aos lançadores de peso chamam, nos Estados Unidos, baleia. Parry O’Brien [campeão olímpico de lançamento de peso], combinando o que chama de atitude mental com aptidão física, tornou-se a maior baleia do mundo. Dedicou, antes de obter a vitória, ao lançamento de peso as vinte e quatro horas de todos os seus dias. Estudou ciências físicas, praticou infatigavelmente, usou um aparelho de gravação, pelo qual a sua voz (a voz da consciência, a voz interior, o grilo falante) o exortava com impiedade a um esforço sempre maior. Aprendeu a cavar fundo no que se pode chamar uma reserva interior de força, logrando lançar a esfera de aço a uma distância de 63 pés e duas polegadas.
[...] O’Brien tinha para consigo mesmo um dever a cumprir, e o cumpriu. Os motivos que o levaram a desfazer-se desse peso, a lançá-lo para longe, com gestos perfeitos, e harmoniosos, a serviço de uma revolta fundamental, inseparável do ser humano, os motivos são os mesmos das demais ações que se erguem acima do comum. Todos os feitos atléticos, assim como todos os feitos do espírito, nascem da grande humilhação terrestre. Todo homem deve libertar-se; todo homem deve realizar um grande gesto; todo homem deve conhecer a profundidade e amargura de seu limite. [...]
(https://cronicabrasileira.org.br)
“O’Brien tinha para consigo mesmo um dever a cumprir, e o cumpriu. Os motivos que o levaram a desfazer-se desse peso, a lançá-lo para longe, com gestos perfeitos, e harmoniosos, [...] são os mesmos das demais ações que se erguem acima do comum.” (4º parágrafo)
Os termos sublinhados referem-se, respectivamente, a
Para responder a questão, leia a crônica “Atletas”, de Paulo Mendes Campos, publicada originalmente em 23.06.1959.
[...]
De todas as modalidades de atletismo, o mais belo, o mais solitário, o mais cruel, é o salto em altura. Elevar-se do chão, lutar contra o monótono e melancólico peso do corpo, eliminar a gravidade desse corpo até o limite máximo do possível, é um dos sacrifícios mais desumanos que o homem pode exigir de si mesmo. Daí, a meu ver, ser o salto em altura o adestramento básico de todos os esportes. A carne é pesada, triste, medonhamente agarrada ao solo, resignando-se às leis da terra. Assim, o salto, imaterial, é um exercício do espírito. Só uma ansiedade indomável de pureza pode permitir que uma criatura terrena se eleve mais de dois metros no ar, para transpor o obstáculo acima de sua cabeça, acima de sua compreensão. Segue-se a queda, o retorno à terra; não importa, ele tentou o impossível e o conseguiu. Por um momento, desde o instante em que se concentrou para o salto, a besta adormeceu, e um anjo se apossou de seu corpo. É o anjo que sobe ao ar e ultrapassa o sarrafo; o homem desce de novo à terra.
Todas as formas de atletismo são alegóricas, e por isso permanecem. Apenas o salto em altura confia-nos com uma clareza elementar o seu significado.
Aos lançadores de peso chamam, nos Estados Unidos, baleia. Parry O’Brien [campeão olímpico de lançamento de peso], combinando o que chama de atitude mental com aptidão física, tornou-se a maior baleia do mundo. Dedicou, antes de obter a vitória, ao lançamento de peso as vinte e quatro horas de todos os seus dias. Estudou ciências físicas, praticou infatigavelmente, usou um aparelho de gravação, pelo qual a sua voz (a voz da consciência, a voz interior, o grilo falante) o exortava com impiedade a um esforço sempre maior. Aprendeu a cavar fundo no que se pode chamar uma reserva interior de força, logrando lançar a esfera de aço a uma distância de 63 pés e duas polegadas.
[...] O’Brien tinha para consigo mesmo um dever a cumprir, e o cumpriu. Os motivos que o levaram a desfazer-se desse peso, a lançá-lo para longe, com gestos perfeitos, e harmoniosos, a serviço de uma revolta fundamental, inseparável do ser humano, os motivos são os mesmos das demais ações que se erguem acima do comum. Todos os feitos atléticos, assim como todos os feitos do espírito, nascem da grande humilhação terrestre. Todo homem deve libertar-se; todo homem deve realizar um grande gesto; todo homem deve conhecer a profundidade e amargura de seu limite. [...]
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