Texto I
VANITAS
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.
Prende a ideia fugaz; doma a rima bravia;
Trabalha..E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!”
“Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!”
“Cheia de minha febre e da minha alma cheia”
“Arranquei-te da vida ao àdito profundo,”
“Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!”
“Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé do mundo,
E cai – vaidade humana !– ao pé de um grão de areia...
(BILAC, Olavo – iLiteratura Comentada. São Paulo:Abril Educação, 1980, p. 32)
Texto II
TORTURA ETERNA
Impotência cruel, ó vã tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, ó luta secular, insana!
Que tu não possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.
Que tu não possas, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.
Ó Sons intraduzíveis, Formas, Cores!...
Ah! que eu não possa eternizar as dores
Nos bronzes e nos mármores eternos!
(SOUSA, Cruz e – in Poesias Completas de Cruz e Sousa Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, página 33)
Avalie as afirmações seguintes sobre os textos dados.
I – Embora difiram quanto à maneira de expressar o conteúdo temático, os autores dos textos os aproximam através de recursos que demonstram grande preocupação formal, visível sobretudo no emprego do soneto, com métrica e rimas bem elaboradas, além de cuidadosa seleção vocabular.
II – Ambos os textos são metalinguísticos e têm como centro temático o fazer poético. No caso do texto I, esse ofício representa a falsa possibilidade de imortalização e um impulso da vaidade. No texto II, a impossibilidade de traduzir o mundo sensível por meio de palavras.
III – No texto I, manifestam-se duas entidades poéticas: o “narrador”, que observa o envaidecido “Poeta” (cujas falas são encerradas por aspas); no texto II, há apenas uma: o eu-lírico de um poeta que se coloca vítima da “tortura eterna”, ou seja, da impossibilidade de encontrar palavras capazes de expressar o que sente.
IV- As vozes poéticas dos textos experimentam um sentimento de frustração: a do texto I, por se mostrar incapaz, em decorrência da vaidade, de atingir a absoluta perfeição formal por ela buscada; a do texto II, por não poder – conscientemente – escolher as palavras adequadas à expressão do pensamento.
V- De modo geral, o Parnasianismo (de que Olavo Bilac é representante) obriga o poeta à postura objetiva e racional, com absoluta contenção lírica. No texto I, porém, predomina uma intensa subjetividade, a mesma que se observa no texto II (que é exemplo da poesia simbolista).