TEXTO – OS DESÍGNÍOS E A CARACTERIZAÇÃO DA CIÊNCIA APLICADA
Se perguntássemos o que caracteriza efetivamente a ciência aplicada, eu diria que, essencialmente, sua condição intrínseca de observação dos fatos reais, de análise experimental em laboratório, ou em campos específicos e, posteriormente, pelo retorno às suas fontes originais de pesquisa, como forma de intervenção, em vista de melhorias sociais e de novas descobertas técnico-científicas. Esse desdobramento final depende muito mais de ações políticas e de interesses econômicos do que propriamente da vontade dos pesquisadores ou das comunidades científicas. É desnecessário dizer que nenhuma produção do conhecimento deveria ter um fim em si mesma, ou que se destina exclusivamente a grupos restritos. Sua finalidade é fazer que, cada vez mais, pessoas sejam beneficiadas.
Decorre, nesse sentido, a realidade consequencial de que o que a ciência pode fazer pela sociedade nada mais é do que um reflexo daquilo que a sociedade tem feito pela ciência. Porém, o que, em tese, parece ser uma obviedade não é tão evidente quanto julgamos, pois essa caracterização da ciência é permanentemente contestada por fatos que atentam diariamente contra o que é essencial na vida das pessoas como, por exemplo, as garantias e os direitos fundamentais que devem servir de regra básica em todos os países cujos regimes políticos se baseiam nos princípios de uma sociedade livre e democrática.
No que concerne ao Brasil, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, o que nos leva a questionar sobre como ficam esses direitos e garantias fundamentais, quando nos deparamos com problemas relacionados à falta de infraestrutura sanitária para grande parte da população? Com a falta ou má qualidade da alimentação? A existência de doenças tropicais, cujos vetores já foram erradicados em todos os países desenvolvidos? As epidemias, de dengue, chikungunya e, mais recentemente, a contaminação causada pelo vírus zika? São perguntas para as quais não teremos respostas nos próximos 30 ou 40 anos.
Tais resoluções dependem de inovação tecnológica e pesquisas científicas, mas, sobretudo, dependem de mobilização social e nova consciência das lideranças políticas. Não nos abranda o fato de que, por ironia ou não, essa situação de ameaças epidêmicas não se limite aos países subdesenvolvidos.
Com muita propriedade escreveu J.L. Poersch, em 1972, no livro de síntese às teorias evolucionistas de Teilhard de Chardin, sob o título Evolução e Antropologia no espaço e no tempo, em que nos diz “... o centro coletor das energias cósmicas, o Homem está predestinado a crescer em valor e dignidade, em poder e grandeza, até submeter todas as potências do mundo ao seu completo domínio”. É bem verdade que, de acordo com esse conceito de pleno domínio das energias cósmicas e potências mundiais, ora contrariando, ora confirmando o que foi escrito por J.L. Poersch, avanços já foram alcançados ao longo desses últimos 50 anos como, por exemplo, as descobertas no campo da medicina. O lado injusto de todo o progresso aqui mencionado é que ele é alcançado apenas por uma parcela bem pequena da população mundial.
Direcionando nosso discurso para o campo da saúde, observemos o relato do documento interministerial elaborado conjuntamente com os Ministérios da Saúde e da Educação em 2015: “Desigualdades geográficas na distribuição de médicos podem ser encontradas em vários países e regiões. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 50% da população mundial reside em áreas rurais remotas, mas essas áreas são servidas por menos de 25% da força de trabalho médico”. Assim, fica claro que ainda há muito a ser feito para que os direitos e as garantias fundamentais sejam uma realidade extensiva a todos.[...]
(LIMA,João Batista Gomes de Lima. Os desígnios e a caracterização da Ciência Aplicada. O mundo da saúde.v 39. n.4)
O autor utiliza, no texto, um discurso que lhe permite