Texto
A gente não pede para nascer, apenas nasce. Alguns nascem ricos, outros pobres; outros brancos, outros negros; uns nascem num país onde faz muito frio, outros em terras quentes; enfim, nós não temos muita opção mesmo. O fato é que, quando a gente percebe, já nasceu.
Eu nasci índio. Mas não nasci como nascem todos os índios. Não nasci numa aldeia, rodeada de mato por todo lado, com um rio onde as pessoas pescam peixe quase com a mão de tão límpida que é a água. Não nasci dentro de uma Uk’a Munduruku. Eu nasci na cidade. Acho que dentro de um hospital. E nasci numa cidade onde a maioria das pessoas se parece com índio: Belém do Pará.
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Só não gostava de uma coisa: que me chamassem de índio. Não. Tudo, menos isso! Para meu desespero, nasci com cara de índio, cabelo de índio (apesar de um pouco loiro), tamanho de índio. Quando entrei na escola primária, então, foi um deus-nos-acuda. Todo mundo vivia dizendo: “Olha o índio que chegou à nossa escola”.
Meus primeiros colegas logo, logo se aproveitaram pra me colocar o apelido de Aritana. Não precisa dizer que isso me deixou fulo da vida e foi um dos principais motivos das brigas nessa fase da minha história – e não foram poucas brigas, não. Ao contrário, briguei muito e, é claro, apanhei muito também.
E por que eu não gostava que me chamassem de índio? Por causa das ideias e imagens que essa palavra trazia. Chamar alguém de índio era classificá-lo como atrasado, selvagem, preguiçoso. E, como já contei, eu era uma pessoa trabalhadora que ajudava meus pais e meus irmãos e isso era uma honra para mim. Mas era uma honra que ninguém levava em consideração. Para meus colegas só contava a aparência… e não o que eu era e fazia.
Munduruku, Daniel. A raiva de ser índio. 15.01.2017. https://www.xapuri.info/cultura/daniel-munduruku-indio/
Daniel Mundukuru não gostava da alcunha de índio, porque