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A obesidade e a fome
Enquanto milhões de pessoas no mundo não têm o que comer, outros comem muito, e mal. A obesidade e a fome são os dois lados da mesma moeda: a de um sistema alimentar que não funciona, e que condena as pessoas à má nutrição. Vivemos, definitivamente, em um mundo de obesos e famélicos. Os números esclarecem isso: 870 milhões de pessoas no mundo passam fome, enquanto 500 milhões têm problemas de obesidade. Um enigma que não afeta só os países subdesenvolvidos. A fome severa e a obesidade são apenas a ponta do iceberg. Como acrescenta a FAO, dois milhões de pessoas no mundo sofrem deficiências de micronutrientes, 26% das crianças têm atraso no crescimento, mas 1,4 bilhão vivem com sobrepeso.
O problema da alimentação não consiste apenas em ‘comer ou não’, mas naquilo que ingerimos, de que qualidade, procedência ou modo de elaborar. Não se trata apenas de comer, mas de comer bem. E quem sai ganhando com este modelo de apenas ‘comer’? A indústria agroalimentar, e a sua distribuição são os principais beneficiários. Precárias condições de trabalho vêm dispensando o campesinato. Temos: alimentos com pouco valor nutritivo, em plantios cultivados com altas doses de pesticidas. Em suma, um sistema que antepõe os interesses particulares do agrobusiness às necessidades alimentares das pessoas. Como afirma Raj Patel, em seu livro Obesos e famélicos (2008): “A fome e o sobrepeso globais são sintomas de um mesmo problema. Os obesos e os famélicos estão vinculados pelas cadeias de produção que levam os alimentos do campo à nossa mesa”. E acrescento: para que todos possam comer bem, é preciso romper com o monopólio das multinacionais em produção, distribuição e consumo de alimentos. Para que acima do afã do lucro, prevaleça o direito à boa alimentação das pessoas.
Estamos correndo o risco do desmantelamento do setor agrário, estratégico para a nossa economia. Algo que não é novo, mas que, com as atuais medidas, só se agravou. Há países em que menos de 5% da população ativa, no Estado, trabalha na agricultura, e uma parte muito significativa são pessoas maiores de idade. Algo que, segundo padrões atuais, é símbolo de progresso e modernidade. Talvez, teríamos que nos perguntar com que parâmetros se definem ambos os conceitos? A agricultura camponesa é uma prática em extinção. Sobreviver no campo e trabalhar a terra não é tarefa fácil. E quem mais sai perdendo no atual modelo de produção, distribuição e consumo de alimentos, são aqueles que produzem os alimentos. Seu empobrecimento é claro. Avançamos para uma agricultura sem camponeses. E, se estes desaparecem, nas mãos de quem fica a nossa alimentação?
(Disponível em: https://esthervivas.com/portugues/a-obesidade-e-afome-sao-dois-lados-de-um-sistema-alimentar-que-nao-funciona. Acesso em 14/06/2021. Adaptado.).
O Texto, se bem entendido, deve ser reconhecido como um texto: