Leia o seguinte poema de Cruz e Sousa para a Questão.
Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...
CRUZ e SOUSA, João. Siderações. In: Broquéis. Poemas.L&PM Pocket: Porto Alegre, 2011. p.25.
O poema simbolista Siderações, de Cruz e Sousa, assim como outros poemas do poeta brasileiro, expressam, sob as luzes do movimento simbolista europeu, um desapontamento ante o fracasso das ideias desenvolvimentistas e de transformação da sociedade burguesa industrial.
É verdade que a estética simbolista:
1.valoriza o inconsciente e o sonho, o universo onírico, em contraposição ao racionalismo.
2. enfatiza o distanciamento da realidade subjetiva.
3. pressupõe uma síntese entre a percepção dos sentidos e a reflexão intelectual.
4. coloca em realce a valorização dos mistérios da alma e da corporeidade objetiva.
5. utiliza-se, abundantemente, de uma linguagem indireta e denotativa, evidenciando seu caráter metafórico.
6. tem como uma de suas características basilares a utilização do recurso estilístico da musicalidade, visando sensações e ritmos.
7. elege como uma de suas principais figuras de retórica a sinestesia, figura de linguagem que coloca em relevo
a negação da experiência corpórea sensorial.
8. apregoa que a poesia deve sugerir e não descrever, assim como apregoava a estética parnasiana.
9. distancia-se de questões sociais, evidenciando a característica e função da literatura conhecida como a “arte pela arte”.
10. nega o cientificismo, priorizando objetividade e descritivismo.
A diferença entre a soma dos números correspondentes às sentenças acima incorretas e corretas é:
Leia o seguinte poema de Cruz e Sousa para a Questão.
Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...
CRUZ e SOUSA, João. Siderações. In: Broquéis. Poemas.L&PM Pocket: Porto Alegre, 2011. p.25.
A partir da apreciação e análise do poema Siderações e do projeto estético simbolista que o caracteriza, é certo que:
1. o título Siderações evidencia a característica terrena, corpórea e objetiva do domínio do homem sobre o espaço sideral.
2. do ponto de vista formal, sua estrutura e composição mais tradicional, exemplificada pelo soneto, estão em consonância com a designação também atribuída ao simbolismo: ‘decadentismo’.
3. as expressões “cristais gelados” e “nuvens brancas” ilustram o que a literatura concebe como “ideias obsessivas” nos textos literários e, no caso do simbolismo e deste poema, fazem menção à ideia reiterada de claridade, brancura, pureza e nebulosidade, conotando interrogações.
4. as palavras “Estrelas”, “Visões”, “Eternidade” e “Astros”, entre outras, grafadas com letras maiúsculas iniciais, no início, meio e fim do poema oferecem a lacuna a ser preenchida pelo leitor, que deflagra a compreensão do tema e características do poema: a aspiração humana pelo transcendente.
5. as expressões “de cristais gelados” e “vão vestindo...” colocam em relevo as sensações táteis.
6.“Num cortejo de cânticos alados/ Os arcanjos, as cítaras ferindo” traz em si a figura metonímia, em razão das sensações auditivas, táteis e olfativas.
7. os dois últimos versos da segunda estrofe denotam aspiração ao triunfo ascendente.
8. o último verso da segunda estrofe traz em si uma contradição entre material ou meio e finalidade para a qual se destina.
9. o poeta utilizou-se da inversão como recurso no início da segunda estrofe.
10. a expressão “As cítaras ferindo” caracteriza os fundamentos do gênero lírico: a presença da dor e do sofrimento como principais motivadores da composição poética.
A soma dos números correspondentes às sentenças acima incorretas, de conformidade com o texto é:
Leia o seguinte poema de Cruz e Sousa para a Questão.
Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...
CRUZ e SOUSA, João. Siderações. In: Broquéis. Poemas.L&PM Pocket: Porto Alegre, 2011. p.25.
Ainda sobre o poema Siderações, analise as afirmativas seguintes, utilizando C para correto e I para incorreto, na sequência de 1 a 10:
1. A terceira estrofe apresenta uma confluência sensorial em que se misturam várias sensações: olfativas, visuais e táteis, sendo que a palavra ‘neve’ sugere mais de uma possiblidade sensorial e, no caso do simbolismo, expressa a concepção da busca pela pureza, pela alvura.
2. Os dois últimos versos da terceira estrofe constituem-se de sujeito, objeto e ação, numa sentença de sentido pleno.
3. Os “turíbulos” agem como dispersores de elemento que visa a transcendência.
4. No poema, a junção dos elementos ‘claro’, ‘límpido’, ‘leve’ e ‘nevoento’ retira do cerimonial do turíbulo a possibilidade do mistério e das interrogações, não havendo contradição entre o emprego de tais termos e o significado que emitem.
5.Na última estrofe “as ânsias e os desejos infinitos” tomam um sentido contrário ao que é apresentado na primeira estrofe.
6. O verso “Vão com os arcanjos formulando ritos”, permite a assertiva moderna de que o homem é terreno, mas aspira à transcendência espiritual e de que é por meio dos ritos e elementos que visam à transcendência que ele faz tentativas de incursão a esse universo.
7. O último verso contém a informação de que a busca pelos “Astros” converte-se em busca pela “Eternidade”, sugerindo a ideia de distanciamento, de longa jornada, mas também de possibilidade, já que o poema dá ao leitor dicas de como buscar, mesmo entre ânsias e desejos, a Eternidade.
8. A temática apresentada no poema destoa completamente da regularidade dos temas eleitos na prémodernidade, já que propõe um contéudo inteiramente novo e cotidiano.
9. Cruz e Sousa, em Siderações, faz concessões à estética parnasiana, introduzindo a ideia de literatura de cunho político, o que pode ser expresso pelo tema central do poema, que propõe a universalização de acesso à ‘Eternidade’.
10. Siderações, que é um poema simbolista, faz parte de um conjunto de obras poéticas que tiveram sua existência marcada apenas na poesia e não em outros gêneros literários.
A altenativa correspondente à análise é:
Leia o excerto de Luzia-Homem para as Questão.
O francês Paul – misantropo devoto e excelente fabricante de sinetes que, na despreocupada viagem de aventura pelo mundo, encalhara em Sobral – costumava vaguear pelos ranchos de retirantes, colhendo, com apurada e firme observação, documentos da vida do povo, nos seus aspectos mais exóticos, ou rabiscando notas curiosas, ilustradas com esboços de tipos originais, cenas e paisagens – trabalho paciente e douto, perdido no seu espólio de alfarrábios, de coleções de Botânica e Geologia, quando morreu, inanido pelos jejuns, como um santo.
Um dia, visitando as obras da cadeia, escreveu ele, com assombro, no seu caderno de notas:
“Passou por mim uma mulher extraordinária, carregando uma parede na cabeça.”
Era Luzia, conduzindo para a obra, arrumados sobre uma tábua, cinquenta tijolos.
Viram-na outros levar, firme, sobre a cabeça, uma enorme jarra d'água, que valia três potes, de peso calculado para a força normal de um homem robusto. De outra feita, removera, e assentara no lugar próprio, a soleira de granito da porta principal da prisão, causando pasmo aos mais valentes operários, que haviam tentado, em vão, a façanha e, com eles, Raulino Uchoa, sertanejo hercúleo e afamado, prodigioso de destreza, que chibanteava em pitorescas narrativas.
Em plena florescência de mocidade e saúde, a extraordinária mulher, que tanto impressionara o francês Paul, encobria os músculos de aço sob as formas esbeltas e graciosas das morenas moças do sertão. Trazia a cabeça sempre velada por um manto de algodãozinho, cujas curelas prendia aos alvos dentes, como se, por um requinte de casquilhice, cuidasse com meticuloso interesse de preservar o rosto dos raios do sol e da poeira corrosiva, a evolar em nuvens espessas do solo adusto, donde ao tênue borrifo de chuvas fecundantes, surgiam, por encanto, alfombras de relva virente e flores odorosas. Pouco expansiva, sempre em tímido recato, vivia só, afastada dos grupos de consortes de infortúnio, e quase não conversava com as companheiras de trabalho, cumprindo, com inalterável calma, a sua tarefa diária, que excedia à vulgar, para fazer jus a dobrada ração.
– É de uma soberbia desmarcada – diziam as moças da mesma idade, na grande maioria desenvoltas ou deprimidas e infamadas pela miséria.
– A modos que despreza de falar com a gente, como se fosse uma senhora dona – murmuravam os rapazes remordidos pelo despeito da invencível recusa, impassível às suas insinuações galantes.
– Aquilo nem parece mulher fêmea – observava uma velha alcoveta e curandeira de profissão.
– Reparem que ela tem cabelos nos braços e um buço que parece bigode de homem...
– Qual, tia Catirina! O Lixande que o diga! – maldou uma cabocla roliça e bronzeada, de dentes de piranha, toda adornada de jóias de pechisbeque e fios de miçanga, muito besuntada de óleos cheirosos.
– Não diga isso que é uma blasfêmia – atalhou Teresinha loura, delgada e grácil, de olhar petulante e irônico, toda ela requebrada em movimentos suaves de gata amorosa.
– Por ela eu puno; meto a mão no fogo...
– Havia de sair torrada. Isso de mulher, hoje em dia, é mesmo uma desgraceira...
– Mas você não pode negar que ela vive no seu canto sossegada sem se importar com a vida dos outros e fazendo pela sua, como uma moura de trabalho. Vocês, suas invejosas, não a poupam; não tendo para dizer dela um tico assim, vivem a maldar, a inventar intrigas e suspeitas. Nem que ela fosse uma despencada do mundo...
– Tu a defendes, porque és parceira dela...
– Antes fosse!... Outros galos me cantariam. Não andaria aqui, sem eira nem beira, metida nesta canalhada de retirantes... Quem me dera ser como Luzia, moça de respeito e de vergonha...
– Quem perdeu tudo isso para ela achar?... – obtemperou numa rasgada gargalhada de sarcasmo brutal, a roliça cabocla de agudos dentes.
– Qual?... Vão atrás da sonsa!...
– Deixem estar que há de ser como as outras. Em boniteza, verdade, verdade, mete vocês todas num chinelo. Aquilo é mulher para dar e apanhar – disse chasqueando um soldado de linha, destacado no Curral do Açougue, para manter a ordem, pois não raro rixavam e se engalfinhavam mulheres, ou se esboroavam homens por fúteis pretextos: houvera mesmo sérios conflitos e lutas sangrentas, tão abatido estava, naquela pobre gente o senso moral
– Vão ver que você, seu Crapiúna, também está fazendo roda a Luzia-Homem?!...
Crapiúna, o tal soldado, era mal afamado entre os homens e muito acatado pelas mulheres, graças à correção do fardamento irrepreensível, os botões dourados, o cinturão e a baioneta polidos e reluzentes: todo ele tresandando ao patchouly da pomada, que lhe embastia a marrafa e o bigode, teso e fino como um espeto. Possuía, apesar das duras feições, o encanto militar, a que é tão caroável o animal caprichoso, e fútil, a mulher de todas as categorias e condições sociais, talvez porque, sendo fraca, naturalmente, se deixa atrair pelas manifestações da força.
Contavam dele histórias emotivas, aventuras galantes, feitos de bravura, façanhas na perseguição de criminosos célebres; ele estivera nas escoltas que prenderam o facínora José Gabriel e o cangaceiro Zé Antônio do Fechado, cavaleiro e bravo à antiga, de raça de heróis, os Brilhantes, Ataídes, e Vicente Lopes do Caminhadeira, representantes dispersos, atávicos, espécimes ferozes de banditismo que foi a glória de Portugal, e lhe conquistou mundos, descobrindo-os, roubando-os com a indômita coragem de piratas, consagrados pela imperecível gratidão da pátria à póstera veneração.
Não faltavam ao soldado feitos que lhe aumentassem o prestígio de pessoa bem conformada, sem vícios que lhe dessem o realce de um afortunado. Dizia-se, à puridade, nos colóquios da protérvia popular, que, antes de ser recrutado por audácias sensuais, e envergar a farda, fora guarda-costas de um famigerado fazendeiro da Barbalha, onde executara proezas cruéis, de pasmar, em verdes anos, pois mal lhe despontava, então, o buço. Tinha o ativo de três mortes e outros crimes menores, valendo-lhe isto por título ao temeroso respeito do povo.
OLYMPIO, domingos. Luzia-Homem. Tecnoprint: Rio de Janeiro, s/d. p.15-18.
Luzia-Homem faz parte do conjunto de obras do Realismo, escola literária que se opõe ao Romantismo, propondo a objetividade em detrimento da subjetividade na representação do mundo exterior.
Acerca do Realismo, é certo que:
1. propõe uma “leitura” científica da realidade pela arte.
2. o contexto histórico, científico e social influenciou determinantemente suas características estéticas e entre as transformações ocorridas na época estão a crescente urbanização de metrópoles, as teorias de desenvolvimento do ser humano, tal qual a a teoria do evolucionista de Charles Darwin, assim como as teorias marxistas.
3. tinha no procedimento de observação o ponto de partida para o ato criativo.
4. almejava o retrato fiel e parcimonioso, livre de influências ideológicas na representacão da realidade pela literatura.
5. o romance foi tomado como um documento social, livre de preconceitos e ideias deterministas.
6. na prosa e na poesia, concebe a literatura e o homem como determinantes do meio social.
7. contrastado com o Naturalismo, induz o leitor a interpretações e conclusões sobre fatos, enquanto este faz interpretações diretas dos fatos, expondo conclusões ao leitor.
8. focaliza aspectos de natureza sociológica, tal como o faz Machado de Assis, enquanto o Naturalismo focaliza aspectos de natureza “biopsicológica”, tal como o faz Aloísio de Azevedo em O cortiço.
9. tanto quanto o Naturalismo, é considerado anticlerical, antirromântico e antiburguês.
10. tem como tendência na poesia o Parnasianismo, regido pelas leis características da objetividade e descritivismo, marcado também pelos ideais de cientificismo e tentativa de imparcialidade.
A soma dos números das declarações acima corretas é:
Leia o excerto de Luzia-Homem para as Questão.
O francês Paul – misantropo devoto e excelente fabricante de sinetes que, na despreocupada viagem de aventura pelo mundo, encalhara em Sobral – costumava vaguear pelos ranchos de retirantes, colhendo, com apurada e firme observação, documentos da vida do povo, nos seus aspectos mais exóticos, ou rabiscando notas curiosas, ilustradas com esboços de tipos originais, cenas e paisagens – trabalho paciente e douto, perdido no seu espólio de alfarrábios, de coleções de Botânica e Geologia, quando morreu, inanido pelos jejuns, como um santo.
Um dia, visitando as obras da cadeia, escreveu ele, com assombro, no seu caderno de notas:
“Passou por mim uma mulher extraordinária, carregando uma parede na cabeça.”
Era Luzia, conduzindo para a obra, arrumados sobre uma tábua, cinquenta tijolos.
Viram-na outros levar, firme, sobre a cabeça, uma enorme jarra d'água, que valia três potes, de peso calculado para a força normal de um homem robusto. De outra feita, removera, e assentara no lugar próprio, a soleira de granito da porta principal da prisão, causando pasmo aos mais valentes operários, que haviam tentado, em vão, a façanha e, com eles, Raulino Uchoa, sertanejo hercúleo e afamado, prodigioso de destreza, que chibanteava em pitorescas narrativas.
Em plena florescência de mocidade e saúde, a extraordinária mulher, que tanto impressionara o francês Paul, encobria os músculos de aço sob as formas esbeltas e graciosas das morenas moças do sertão. Trazia a cabeça sempre velada por um manto de algodãozinho, cujas curelas prendia aos alvos dentes, como se, por um requinte de casquilhice, cuidasse com meticuloso interesse de preservar o rosto dos raios do sol e da poeira corrosiva, a evolar em nuvens espessas do solo adusto, donde ao tênue borrifo de chuvas fecundantes, surgiam, por encanto, alfombras de relva virente e flores odorosas. Pouco expansiva, sempre em tímido recato, vivia só, afastada dos grupos de consortes de infortúnio, e quase não conversava com as companheiras de trabalho, cumprindo, com inalterável calma, a sua tarefa diária, que excedia à vulgar, para fazer jus a dobrada ração.
– É de uma soberbia desmarcada – diziam as moças da mesma idade, na grande maioria desenvoltas ou deprimidas e infamadas pela miséria.
– A modos que despreza de falar com a gente, como se fosse uma senhora dona – murmuravam os rapazes remordidos pelo despeito da invencível recusa, impassível às suas insinuações galantes.
– Aquilo nem parece mulher fêmea – observava uma velha alcoveta e curandeira de profissão.
– Reparem que ela tem cabelos nos braços e um buço que parece bigode de homem...
– Qual, tia Catirina! O Lixande que o diga! – maldou uma cabocla roliça e bronzeada, de dentes de piranha, toda adornada de jóias de pechisbeque e fios de miçanga, muito besuntada de óleos cheirosos.
– Não diga isso que é uma blasfêmia – atalhou Teresinha loura, delgada e grácil, de olhar petulante e irônico, toda ela requebrada em movimentos suaves de gata amorosa.
– Por ela eu puno; meto a mão no fogo...
– Havia de sair torrada. Isso de mulher, hoje em dia, é mesmo uma desgraceira...
– Mas você não pode negar que ela vive no seu canto sossegada sem se importar com a vida dos outros e fazendo pela sua, como uma moura de trabalho. Vocês, suas invejosas, não a poupam; não tendo para dizer dela um tico assim, vivem a maldar, a inventar intrigas e suspeitas. Nem que ela fosse uma despencada do mundo...
– Tu a defendes, porque és parceira dela...
– Antes fosse!... Outros galos me cantariam. Não andaria aqui, sem eira nem beira, metida nesta canalhada de retirantes... Quem me dera ser como Luzia, moça de respeito e de vergonha...
– Quem perdeu tudo isso para ela achar?... – obtemperou numa rasgada gargalhada de sarcasmo brutal, a roliça cabocla de agudos dentes.
– Qual?... Vão atrás da sonsa!...
– Deixem estar que há de ser como as outras. Em boniteza, verdade, verdade, mete vocês todas num chinelo. Aquilo é mulher para dar e apanhar – disse chasqueando um soldado de linha, destacado no Curral do Açougue, para manter a ordem, pois não raro rixavam e se engalfinhavam mulheres, ou se esboroavam homens por fúteis pretextos: houvera mesmo sérios conflitos e lutas sangrentas, tão abatido estava, naquela pobre gente o senso moral
– Vão ver que você, seu Crapiúna, também está fazendo roda a Luzia-Homem?!...
Crapiúna, o tal soldado, era mal afamado entre os homens e muito acatado pelas mulheres, graças à correção do fardamento irrepreensível, os botões dourados, o cinturão e a baioneta polidos e reluzentes: todo ele tresandando ao patchouly da pomada, que lhe embastia a marrafa e o bigode, teso e fino como um espeto. Possuía, apesar das duras feições, o encanto militar, a que é tão caroável o animal caprichoso, e fútil, a mulher de todas as categorias e condições sociais, talvez porque, sendo fraca, naturalmente, se deixa atrair pelas manifestações da força.
Contavam dele histórias emotivas, aventuras galantes, feitos de bravura, façanhas na perseguição de criminosos célebres; ele estivera nas escoltas que prenderam o facínora José Gabriel e o cangaceiro Zé Antônio do Fechado, cavaleiro e bravo à antiga, de raça de heróis, os Brilhantes, Ataídes, e Vicente Lopes do Caminhadeira, representantes dispersos, atávicos, espécimes ferozes de banditismo que foi a glória de Portugal, e lhe conquistou mundos, descobrindo-os, roubando-os com a indômita coragem de piratas, consagrados pela imperecível gratidão da pátria à póstera veneração.
Não faltavam ao soldado feitos que lhe aumentassem o prestígio de pessoa bem conformada, sem vícios que lhe dessem o realce de um afortunado. Dizia-se, à puridade, nos colóquios da protérvia popular, que, antes de ser recrutado por audácias sensuais, e envergar a farda, fora guarda-costas de um famigerado fazendeiro da Barbalha, onde executara proezas cruéis, de pasmar, em verdes anos, pois mal lhe despontava, então, o buço. Tinha o ativo de três mortes e outros crimes menores, valendo-lhe isto por título ao temeroso respeito do povo.
OLYMPIO, domingos. Luzia-Homem. Tecnoprint: Rio de Janeiro, s/d. p.15-18.
Analise as sentenças acerca do romance Luzia-Homem e atribua como julgamentos: ‘Falsa (F)’ ou ‘Verdadeira (V)’
1. O foco narrativo, orientado pela terceira pessoa do discurso, acarreta à narrativa certo distanciamento, reportanto o que é chamado de ‘onisciência’ ao narrador, o qual é seletivo, tendencioso e altamente envolvido com os fatos.
2. Luzia, personagem-protagonista, expressa o que em Literatura é chamado de personagem-tipo, ou seja, um pesonagem plano, que sofre mudanças ao longo da narrativa.
3. O espaço em Luzia-Homem é determinante na caracterização dos personagens, onde impera a lei da sobrevivência e do mais forte.
4. Apesar de a linguagem adotada no referido romance apresentar rebuscamento, em certas passagens, há introdução de uma linguagem mais cotidiana, ainda que incipiente no Realismo brasileiro, só vai alcançar o apogeu de sua utilização no Modernismo de primeira fase.
5. Há no trecho transcrito a presença de um outro gênero textual, evidenciando o diálogo intergênero, o que também representa uma inovação dentro do gênero literário, para o período em que a obra foi escrita.
6. A predominância do tempo psicológico é uma dominante nessa obra, assim como ocorre nas obras de Machado de Assis, escritor contemporâneo de Domingos Olympio.
7. Nesta obra fica evidente a influência das ideias evolucionistas, inclusive palavras que são utilizadas no romance, que são compatíveis com tal teoria e com os pressupostos ideológicos que sustentam o Realismo/ Naturalismo, como macho e fêmea.
8. Nesta obra fica evidente a tentativa de formação de uma “identidade nacional”, uma das características também atribuídas ao Realismo brasileiro, o que pode ser ilustrado pela figura de estrangeiros que contribuem e fazem parte de nosso universo cultural, como o francês Paul.
9. A ausência de longas descrições é uma constante no texto, evidenciando a imagem de parcos recursos, personalidade frágil e indolente dos personagens.
10. A figura de Luzia, em Luzia-Homem, como a de todas as personagens do sexo feminino, está de acordo com uma figura altiva, forte, determinada e subjugada, típica dos romances naturalistas.
A alternativa que contempla a sequência correta dos julgamentos das afirmações é:
Leia o trecho de Ana Terra para resolver a Questão.
Ana sentia-se animada, com vontade de viver, sabia que por piores que fossem as coisas que estavam por vir, não podiam ser tão horríveis como as que já tinha sofrido. Esse pensamento dava-lhe uma grande coragem. E ali deitada no chão, a olhar para as estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava quase a ser indiferença. Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca mais teria vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte por causa de Pedrinho, que afinal de contas não tinha pedido a ninguém para vir ao mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra. A sorte andava sempre virada contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.
Soergueu o busto, olhou as coxilhas em torno e avistou um fogo, muito longe, na direção do nascente.
“Boitatá” – pensou. E lembrou-se imediatamente da noite de verão em que Pedro Missioneiro, acocorado na frente do rancho, lhes contara a história da teiniaguá. O fogo que ela via agora parecia uma estrela caída, graúda e amarelona. E como ela não se apagasse, Ana concluiu que devia ser o fogo dum acampamento. Soldados? Ao pensar nisso tornou a sentir o cheiro dos castelhanos, e a lembrança de homem lhe trouxe de novo uma sensação de repulsa e de ódio. Mas podia bem ser o acampamento dum carreteiro, e nesse caso a carreta podia passar por ali no dia seguinte. Ana Terra começou a sentir no corpo o calor duma esperança nova. Iam ver gente, talvez gente de bem, algum tropeiro continentino que vinha da vila do Rio Pardo... Tornou a deitar-se, mas continuou a olhar para o fogo. Pouco a pouco o sono começou a pesar-lhe nas pálpebras. Ana cerrou os olhos, dormiu e sonhou que andava numa carreta, muito devagar, e ia para Rio Pardo, cidade que ficava muito longe, e todo o tempo da viagem ela chorava, porque Pedrolucinho tinha ficado sepultado no alto duma coxilha: ela mesma o enterrara vivo, só porque o coitadinho não era bem branco; e por isso agora chorava, enquanto as rodas da carreta chiavam e o carreteiro gritava: Ooche, boi! Ooche, boi!
VERÍSSIMO, Érico. Ana Terra. Companhia das Letras: São Paulo, 2005. p. 70-71.
Érico Verísssimo divide O tempo e o vento em três partes: O continente, O retrato e O arquipélago. Ana Terra é parte integrante de O continente. Observada a contextualização estética, histórica e social brasileira em Ana Terra, é certo que:
1. é uma obra de cunho regionalista, com preponderância de linguagem, cultura e espaços rurais ou semiurbanos.
2. é uma das obras regionais que exalta a figura do heroi mítico – o índio brasileiro – resgastando o passado nacional de forma gloriosa e grandiloquente, assim como apresenta um tom ufanista.
3. enquadra-se na segunda fase do Modernismo brasileiro e, entre seus principais expoentes, estão também Oswald de Andrade, José Lins do Rego e Jorge Amado.
4. há a presença de uma linguagem cotidiana, com aspectos que fazem menção ao folclore e culturas populares.
5. uma das principais características atinentes ao Regionalismo de 1930 – tendência na qual enquadra-se Ana Terra – é a exacerbação da exposição das mazelas brasileiras, de forma crítica, sob um prisma definido como compromissado.
6. a Segunda geração modernista, mais especificamente as obras regionais, evidenciam um deslocamento das produções literárias brasileiras para regiões mais afastadas do Sudeste brasileiro.
7. há uma ambientação para a discussão crítica dos fatos do presente, como ocorre também em Ubirajara, de José de Alencar.
8. Ana Terra é uma saga, tanto familiar, quanto histórica, já que recobre fatos históricos e sociais, tanto da história da família da personagem protagonista inicial, quanto da história do Rio Grande do sul e, consequentemente, do Brasil.
9. a paixão e envolvimento de Ana Terra com um índio missioneiro e o filho, fruto dessa união, que dá continuidade às próximas gerações, revela parte da identidade nacional.
10. pelas características da obra de cunho histórico e das agruras e sofrimentos vividos pelos personagens no povoamento do Estado do Rio Grande do Sul, a predominância do fator “tempo” é mais psicológico do que cronológico.
A soma dos números das declarações acima incorretas é: