Um retorno ao humanismo marca a nossa
atualidade convulsionada por crises. A Medicina, hoje,
ao se voltar para as suas origens hipocráticas, esforça-se
em reparar o longo esquecimento a que relegou o
[5] objeto básico de sua atenção: a humanidade do
homem. Pretende-se agora que o objeto da tarefa
médica seja o próprio homem e não apenas órgãos e
sistemas, disfunções ou anormalidades. Coube à
Medicina Psicossomática contribuir decisivamente
[10] para a reconceituação da prática médica e há uma
dupla influência a considerar: a primeira derivada das
pesquisas suscitadas pelo clássico problema da
relação corpo-mente; a segunda consequente à
infiltração da psicologia na compreensão dos
[15] fenômenos mórbidos em geral e dos problemas de
relacionamento clínico, estes últimos tradicionalmente
entregues aos azares da arte.
As respostas ao problema corpo-mente dentro
da patologia encontraram, neste século, apoio teórico
[20] principalmente nos estudos da Psicanálise e da
Psicofisiologia, respostas que, procurando estabelecer
relações causais entre os fenômenos somáticos e
psíquicos, deram origem a conceitos como os de
somatização, enfermidade psicossomática e
[25] psicogênese. A aparente aproximação dos problemas
relativos às áreas somáticas e psíquicas produzida
pela introdução do psiquiatra nas lides do hospital geral
foi conturbada pela multiplicação de teorias, pelo
excessivo uso de termos esotéricos e estranhas
[30] técnicas terapêuticas, inconciliáveis com a
indispensável e ampla comunicação que as
especialidades devem manter. Além disso,
acrescentou-se à habitual diferenciação entre o que
é somático e psíquico outra: o que é psicossomático.
[35] Embora essa abordagem tenha tido o mérito de muito
ampliar o nosso conhecimento, acentuou a
dissociação mente-corpo e como consequência
fragmentou ainda mais o doente na prática
terapêutica. Podemos concluir que “nos parâmetros
[40] da prática médica geral, ao considerarmos o homem
como um todo indissociável, o problema da
‘somatização’ afigura-se um pseudoproblema”. O
estudo do fenômeno psicossomático não deve levar
a divisões, mas à integração. Não há como deixar de
[45] reconhecer que “não há doenças psicossomáticas;
todas as doenças são psicossomáticas”. Isso não
deve ser apenas um enunciado.
Do diálogo que médico e paciente estabelecem
entre si, além das várias histórias importantes para o
[50] registro clínico, transparece uma “história da pessoa”
que vai permitir o diagnóstico do doente. Esse
diagnóstico está apoiado num triplo conjunto de
informações significativas prestadas pelo doente,
quando lhe é permitido expressar-se de forma
[55] espontânea para um médico interessado e atento: a)
sua biografia, mais como a vivenciou do que como os
fatos se passaram na realidade objetiva e cronológica;
b) as circunstâncias de vida nas quais sobreveio sua
enfermidade atual, bem como as circunstâncias nas
[60] quais adoeceu anteriormente; c) a maneira como se
relaciona com o médico e se relacionou com os
anteriores.
Os dados biográficos tornam o doente uma
pessoa para o médico e não apenas uma patologia. A
[65] vantagem é a singularização do caso clínico com a
consequente adaptação das medidas terapêuticas
para aquele doente. O conhecimento das
circunstâncias de vida nas quais sobreveio a
enfermidade possibilita evitar a revivescência das
[70] mesmas circunstâncias mórbidas no relacionamento
clínico. A compreensão da relação médico-paciente
permite uma aliança criteriosa com o doente. O
chamado bom senso, tato, bondade, espírito
humanitário não está aqui em pauta, sem
[75] menosprezar essas qualidades. Importa, no caso, é o
estudo do doente através do qual seja possível
desenvolver métodos seguros na condução dos
objetivos da terapêutica.
EKSTERMAN, Abram. Disponível em: <http://www.medicinapsicos somatica.com.br/doc/ensino_psicologia_medica.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2018. Adaptado.
A compreensão de que todas as doenças são psicossomáticas permitiu que o binômio médico/paciente passasse por uma reestruturação na sua relação e promovesse mudanças, exceto