UECE 2013/2
66 Questões
TEXTO I
O texto I desta prova é um excerto da parte 2, capítulo III, da obra Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog — gaúcho de São Leopoldo (*1906 — f1988). Nesse capítulo, Moog faz um estudo comparativo entre a colonização dos EUA e a do Brasil, um paralelo entre as fundações da América inglesa e da América portuguesa
[1] Há desde logo uma fundamental diferença
de motivos no povoamento dos dois países: um
sentido inicialmente espiritual, orgânico e
construtivo na formação norte-americana, e um
[5] sentido predatório, extrativista e quase só
secundariamente religioso na formação
brasileira.
Os primeiros povoadores das colônias
inglesas da América, principalmente os
[10] puritanos do Mayflower, não vieram para o
Novo Mundo só ou predominantemente em
busca de minas de ouro e de prata e de riqueza
fácil. Vieram, isto sim, acossados pela
perseguição na pátria de origem, em busca de
[15] terra onde pudessem cultuar seu Deus, ler e
interpretar a sua Bíblia, trabalhar, ajudarem-se
uns aos outros e celebrar o ritual do seu culto,
à sua maneira. Ao embarcarem, trazendo
consigo todos os haveres, mulheres e filhos,
[20] deram as costas à Europa, para fundar deste
lado do Atlântico, uma nova pátria, a pátria
teocrática dos calvinistas. Não pensavam no
regresso; para eles só havia um modo de ser
agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar,
[25] trabalhar e prosperar, prosperar e acumular
riquezas. Eram colonizadores, não
conquistadores. Houve depois, é certo, os que
desgarraram para o Oeste, à procura de minas
de ouro e fortuna fácil, mas, quando isso
[30] aconteceu, o sentido, o ritmo da história norteamericana
já estava estabelecido e
definitivamente estabelecido, construtivo,
moral, orgânico.
No Brasil, infelizmente, ocorreu em quase
[35] tudo precisamente o contrário. Os portugueses
que vieram ter primeiro às terras de Santa Cruz
eram todos fiéis vassalos de El-Rei de Portugal.
Se, por um lado, desejavam ampliar os
domínios da cristandade, “a Fé e o Império”,
[40] traziam já os olhos demasiadamente dilatados
pela cobiça. Eram inicialmente conquistadores,
não colonizadores, como seriam mais tarde
bandeirantes e não pioneiros. Como El-Rei,
como toda a Corte, após a descoberta do
[45] caminho das Índias, queriam despojos e
riquezas. E ninguém embarcava com o
pensamento de não mais voltar à pátria
lusitana. E ninguém trazia o propósito de
enriquecer pela constância no trabalho.
[50] Deixavam atrás a pátria, os amigos, a família,
as ocupações normais, na esperança do
Eldourado.
Vianna Moog. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo entre duas culturas. Capítulo III: Conquista e colonização. p. 103-104. Texto adaptado.
Assinale a opção que aponta, de acordo com o excerto transcrito, o fator que, para o enunciador, é responsável por muitas das diferenças entre os EUA e o Brasil.
TEXTO I
O texto I desta prova é um excerto da parte 2, capítulo III, da obra Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog — gaúcho de São Leopoldo (*1906 — f1988). Nesse capítulo, Moog faz um estudo comparativo entre a colonização dos EUA e a do Brasil, um paralelo entre as fundações da América inglesa e da América portuguesa
[1] Há desde logo uma fundamental diferença
de motivos no povoamento dos dois países: um
sentido inicialmente espiritual, orgânico e
construtivo na formação norte-americana, e um
[5] sentido predatório, extrativista e quase só
secundariamente religioso na formação
brasileira.
Os primeiros povoadores das colônias
inglesas da América, principalmente os
[10] puritanos do Mayflower, não vieram para o
Novo Mundo só ou predominantemente em
busca de minas de ouro e de prata e de riqueza
fácil. Vieram, isto sim, acossados pela
perseguição na pátria de origem, em busca de
[15] terra onde pudessem cultuar seu Deus, ler e
interpretar a sua Bíblia, trabalhar, ajudarem-se
uns aos outros e celebrar o ritual do seu culto,
à sua maneira. Ao embarcarem, trazendo
consigo todos os haveres, mulheres e filhos,
[20] deram as costas à Europa, para fundar deste
lado do Atlântico, uma nova pátria, a pátria
teocrática dos calvinistas. Não pensavam no
regresso; para eles só havia um modo de ser
agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar,
[25] trabalhar e prosperar, prosperar e acumular
riquezas. Eram colonizadores, não
conquistadores. Houve depois, é certo, os que
desgarraram para o Oeste, à procura de minas
de ouro e fortuna fácil, mas, quando isso
[30] aconteceu, o sentido, o ritmo da história norteamericana
já estava estabelecido e
definitivamente estabelecido, construtivo,
moral, orgânico.
No Brasil, infelizmente, ocorreu em quase
[35] tudo precisamente o contrário. Os portugueses
que vieram ter primeiro às terras de Santa Cruz
eram todos fiéis vassalos de El-Rei de Portugal.
Se, por um lado, desejavam ampliar os
domínios da cristandade, “a Fé e o Império”,
[40] traziam já os olhos demasiadamente dilatados
pela cobiça. Eram inicialmente conquistadores,
não colonizadores, como seriam mais tarde
bandeirantes e não pioneiros. Como El-Rei,
como toda a Corte, após a descoberta do
[45] caminho das Índias, queriam despojos e
riquezas. E ninguém embarcava com o
pensamento de não mais voltar à pátria
lusitana. E ninguém trazia o propósito de
enriquecer pela constância no trabalho.
[50] Deixavam atrás a pátria, os amigos, a família,
as ocupações normais, na esperança do
Eldourado.
Vianna Moog. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo entre duas culturas. Capítulo III: Conquista e colonização. p. 103-104. Texto adaptado.
Considerando o ponto de vista do enunciador, escreva V se a afirmação for verdadeira e F, se for falsa. As afirmações podem estar explícitas, no texto, ou resultar de inferências.
( ) Os povoadores dos EUA tinham o propósito de ficar na nova terra, enquanto os do Brasil tinham o objetivo de enriquecer e voltar para Portugal.
( ) Os propósitos iniciais dos dois povos tiveram consequências decisivas na construção das duas nações.
( ) Os colonizadores estão para os conquistadores assim como os pioneiros estão para os bandeirantes.
( ) Era próprio dos conquistadores o espírito construtivo, enquanto o espírito predatório era próprio dos colonizadores.
( ) Os valores próprios do Calvinismo foram decisivos para o tipo de desenvolvimento das colônias norte-americanas.
Está correta a seguinte sequência de cima para baixo:
TEXTO I
O texto I desta prova é um excerto da parte 2, capítulo III, da obra Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog — gaúcho de São Leopoldo (*1906 — f1988). Nesse capítulo, Moog faz um estudo comparativo entre a colonização dos EUA e a do Brasil, um paralelo entre as fundações da América inglesa e da América portuguesa
[1] Há desde logo uma fundamental diferença
de motivos no povoamento dos dois países: um
sentido inicialmente espiritual, orgânico e
construtivo na formação norte-americana, e um
[5] sentido predatório, extrativista e quase só
secundariamente religioso na formação
brasileira.
Os primeiros povoadores das colônias
inglesas da América, principalmente os
[10] puritanos do Mayflower, não vieram para o
Novo Mundo só ou predominantemente em
busca de minas de ouro e de prata e de riqueza
fácil. Vieram, isto sim, acossados pela
perseguição na pátria de origem, em busca de
[15] terra onde pudessem cultuar seu Deus, ler e
interpretar a sua Bíblia, trabalhar, ajudarem-se
uns aos outros e celebrar o ritual do seu culto,
à sua maneira. Ao embarcarem, trazendo
consigo todos os haveres, mulheres e filhos,
[20] deram as costas à Europa, para fundar deste
lado do Atlântico, uma nova pátria, a pátria
teocrática dos calvinistas. Não pensavam no
regresso; para eles só havia um modo de ser
agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar,
[25] trabalhar e prosperar, prosperar e acumular
riquezas. Eram colonizadores, não
conquistadores. Houve depois, é certo, os que
desgarraram para o Oeste, à procura de minas
de ouro e fortuna fácil, mas, quando isso
[30] aconteceu, o sentido, o ritmo da história norteamericana
já estava estabelecido e
definitivamente estabelecido, construtivo,
moral, orgânico.
No Brasil, infelizmente, ocorreu em quase
[35] tudo precisamente o contrário. Os portugueses
que vieram ter primeiro às terras de Santa Cruz
eram todos fiéis vassalos de El-Rei de Portugal.
Se, por um lado, desejavam ampliar os
domínios da cristandade, “a Fé e o Império”,
[40] traziam já os olhos demasiadamente dilatados
pela cobiça. Eram inicialmente conquistadores,
não colonizadores, como seriam mais tarde
bandeirantes e não pioneiros. Como El-Rei,
como toda a Corte, após a descoberta do
[45] caminho das Índias, queriam despojos e
riquezas. E ninguém embarcava com o
pensamento de não mais voltar à pátria
lusitana. E ninguém trazia o propósito de
enriquecer pela constância no trabalho.
[50] Deixavam atrás a pátria, os amigos, a família,
as ocupações normais, na esperança do
Eldourado.
Vianna Moog. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo entre duas culturas. Capítulo III: Conquista e colonização. p. 103-104. Texto adaptado.
O vocábulo Mayflower significa “flor de maio”. Observe com atenção o contexto em que a palavra aparece (linhas 8-22) e marque a alternativa que completa corretamente o seguinte enunciado: Com “Mayflower” se denominou
TEXTO I
O texto I desta prova é um excerto da parte 2, capítulo III, da obra Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog — gaúcho de São Leopoldo (*1906 — f1988). Nesse capítulo, Moog faz um estudo comparativo entre a colonização dos EUA e a do Brasil, um paralelo entre as fundações da América inglesa e da América portuguesa
[1] Há desde logo uma fundamental diferença
de motivos no povoamento dos dois países: um
sentido inicialmente espiritual, orgânico e
construtivo na formação norte-americana, e um
[5] sentido predatório, extrativista e quase só
secundariamente religioso na formação
brasileira.
Os primeiros povoadores das colônias
inglesas da América, principalmente os
[10] puritanos do Mayflower, não vieram para o
Novo Mundo só ou predominantemente em
busca de minas de ouro e de prata e de riqueza
fácil. Vieram, isto sim, acossados pela
perseguição na pátria de origem, em busca de
[15] terra onde pudessem cultuar seu Deus, ler e
interpretar a sua Bíblia, trabalhar, ajudarem-se
uns aos outros e celebrar o ritual do seu culto,
à sua maneira. Ao embarcarem, trazendo
consigo todos os haveres, mulheres e filhos,
[20] deram as costas à Europa, para fundar deste
lado do Atlântico, uma nova pátria, a pátria
teocrática dos calvinistas. Não pensavam no
regresso; para eles só havia um modo de ser
agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar,
[25] trabalhar e prosperar, prosperar e acumular
riquezas. Eram colonizadores, não
conquistadores. Houve depois, é certo, os que
desgarraram para o Oeste, à procura de minas
de ouro e fortuna fácil, mas, quando isso
[30] aconteceu, o sentido, o ritmo da história norteamericana
já estava estabelecido e
definitivamente estabelecido, construtivo,
moral, orgânico.
No Brasil, infelizmente, ocorreu em quase
[35] tudo precisamente o contrário. Os portugueses
que vieram ter primeiro às terras de Santa Cruz
eram todos fiéis vassalos de El-Rei de Portugal.
Se, por um lado, desejavam ampliar os
domínios da cristandade, “a Fé e o Império”,
[40] traziam já os olhos demasiadamente dilatados
pela cobiça. Eram inicialmente conquistadores,
não colonizadores, como seriam mais tarde
bandeirantes e não pioneiros. Como El-Rei,
como toda a Corte, após a descoberta do
[45] caminho das Índias, queriam despojos e
riquezas. E ninguém embarcava com o
pensamento de não mais voltar à pátria
lusitana. E ninguém trazia o propósito de
enriquecer pela constância no trabalho.
[50] Deixavam atrás a pátria, os amigos, a família,
as ocupações normais, na esperança do
Eldourado.
Vianna Moog. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo entre duas culturas. Capítulo III: Conquista e colonização. p. 103-104. Texto adaptado.
Considere a seguinte passagem do texto: “em busca de minas de ouro e de prata e de riqueza fácil” (linhas 11-13) e o que se diz dela.
I. O segundo “e” do excerto não tem justificativa gramatical, mas estilística.
II. Enquanto o primeiro “e” coordena a expressão ”de minas de ouro” com a expressão “de (minas) de prata”, o segundo “e” coordena a expressão “de minas de ouro e de (minas) de prata” com a expressão “de riqueza fácil”.
III. As três locuções adjetivas — “de minas de ouro”, “de (minas) de prata” e “de riqueza fácil” — completam o sentido do substantivo “busca”.
Está correto o que se diz apenas em
TEXTO I
O texto I desta prova é um excerto da parte 2, capítulo III, da obra Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog — gaúcho de São Leopoldo (*1906 — f1988). Nesse capítulo, Moog faz um estudo comparativo entre a colonização dos EUA e a do Brasil, um paralelo entre as fundações da América inglesa e da América portuguesa
[1] Há desde logo uma fundamental diferença
de motivos no povoamento dos dois países: um
sentido inicialmente espiritual, orgânico e
construtivo na formação norte-americana, e um
[5] sentido predatório, extrativista e quase só
secundariamente religioso na formação
brasileira.
Os primeiros povoadores das colônias
inglesas da América, principalmente os
[10] puritanos do Mayflower, não vieram para o
Novo Mundo só ou predominantemente em
busca de minas de ouro e de prata e de riqueza
fácil. Vieram, isto sim, acossados pela
perseguição na pátria de origem, em busca de
[15] terra onde pudessem cultuar seu Deus, ler e
interpretar a sua Bíblia, trabalhar, ajudarem-se
uns aos outros e celebrar o ritual do seu culto,
à sua maneira. Ao embarcarem, trazendo
consigo todos os haveres, mulheres e filhos,
[20] deram as costas à Europa, para fundar deste
lado do Atlântico, uma nova pátria, a pátria
teocrática dos calvinistas. Não pensavam no
regresso; para eles só havia um modo de ser
agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar,
[25] trabalhar e prosperar, prosperar e acumular
riquezas. Eram colonizadores, não
conquistadores. Houve depois, é certo, os que
desgarraram para o Oeste, à procura de minas
de ouro e fortuna fácil, mas, quando isso
[30] aconteceu, o sentido, o ritmo da história norteamericana
já estava estabelecido e
definitivamente estabelecido, construtivo,
moral, orgânico.
No Brasil, infelizmente, ocorreu em quase
[35] tudo precisamente o contrário. Os portugueses
que vieram ter primeiro às terras de Santa Cruz
eram todos fiéis vassalos de El-Rei de Portugal.
Se, por um lado, desejavam ampliar os
domínios da cristandade, “a Fé e o Império”,
[40] traziam já os olhos demasiadamente dilatados
pela cobiça. Eram inicialmente conquistadores,
não colonizadores, como seriam mais tarde
bandeirantes e não pioneiros. Como El-Rei,
como toda a Corte, após a descoberta do
[45] caminho das Índias, queriam despojos e
riquezas. E ninguém embarcava com o
pensamento de não mais voltar à pátria
lusitana. E ninguém trazia o propósito de
enriquecer pela constância no trabalho.
[50] Deixavam atrás a pátria, os amigos, a família,
as ocupações normais, na esperança do
Eldourado.
Vianna Moog. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo entre duas culturas. Capítulo III: Conquista e colonização. p. 103-104. Texto adaptado.
Observe o trecho seguinte e o que se diz dele, em uma perspectiva estilística: “para eles só havia um modo de ser agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar, trabalhar e prosperar, prosperar e acumular riquezas” (linhas 23-26).
I. Há uma gradação ascendente, formada por três grupos de dois verbos, repetindo-se o último elemento de cada grupo no início do grupo seguinte. Essa gradação ilustra as várias etapas de trabalho por que passaram os colonizadores americanos até ficarem ricos. Não foi uma prosperidade fácil.
II. Os verbos que formam a gradação são verbos de ação, o que pode servir para ilustrar a vida laboriosa dos colonizadores das terras do norte.
III. A repetição dos verbos marca, de certa forma, o ritmo do excerto, causando a sensação do esforço empreendido pelos colonizadores para formar a nova pátria e para prosperar.
Está correto o que se afirma em
TEXTO II
O texto II desta prova foi extraído do segundo capítulo da novela A indesejada aposentadoria, do escritor maranhense Josué Montello (*1917 — †2006). Contemporâneo dos escritores que fizeram o romance de 30, Montello enveredou por outro caminho: explorou a narrativa urbana. Escreveu uma das obras-primas da literatura brasileira: Os tambores de São Luís (1975). A novela A indesejada aposentadoria, de 1972, conta a história de Guihermino Pereira, um funcionário público, já nas vésperas de se aposentar.
Guilhermino pertencia a uma casta de
burocratas que já desapareceu de nossas
[55] repartições públicas. De sua espécie talvez
tenha sido o derradeiro exemplar conhecido,
tanto no trajo quanto nos modos e na figura.
Nos últimos tempos de sua existência
medíocre, já era um anacronismo. Por isso
[60] mesmo está ele a reclamar papel e tinta,
únicos instrumentos possíveis de sua
merecida sobrevivência. Não propriamente
para servir de paradigma, acentue-se logo —
mas para ilustrar e exprimir com o seu modelo
[65] uma casta que o tempo consumiu.
Era magro, alto, rosto comprido, com um
pouco de poste e outro tanto de Dom Quixote.
Deste só tinha a figura, não a índole
romântica: era mesmo o oposto do
[70] personagem de Cervantes, na sua conformada
aceitação da vida. Tinha as orelhas um pouco
saltadas do crânio, o pomo-de-adão saliente,
e era calvo, de uma calvície bem composta,
que lhe adoçava a fisionomia subalterna.
[75] Ao chegar à repartição no seu lento passo
de cegonha, sempre de guarda-chuva
pendente do braço, trocava o paletó de
casemira azul por outro de alpaca preta e
instalava-se na sua cadeira rotativa. Sentado,
[80] sua longa espinha dorsal vergava, numa curva
de caniço puxado pelo peixe, que no seu caso
eram a caneta e a pena. Quando se erguia,
parecia desembainhar a espinha, crescendo de
tamanho.
[85] Guilhermino ali sentava às onze horas, ou
pouco antes e às cinco e trinta se levantava
para ir embora. Conservador por natureza,
teve ele a boa fortuna de servir sempre na
mesma repartição, no mesmo prédio e na
[90] mesma sala, desde que entrou no serviço
público. Ao ser empossado, deram-lhe aquela
mesa. Não queria outra.
A repartição, com a sua sala, os seus
móveis e os seus funcionários, constituía o
[95] mundo ideal de Guilhermino. Somente ali,
experimentava a sensação ambiental de
plenitude que há de gozar o peixe na água e o
pássaro nos ares.
Entretanto, malgrado a euforia que o
[100] deixava mais a gosto na repartição do que na
porta-e-janela de seu modesto lar suburbano,
Guilhermino nunca deixava de abandonar a
mesa de trabalho à hora fixada no Regimento
para o fim do expediente.
[105] — A lei é a lei — dizia.
Não há exagero em afirmar-se que a sua
casa de subúrbio, adornada de cortinas de
renda, com um vaso de tinhorão à entrada,
era, para ele, o lugar onde aguardava que a
[110] repartição voltasse a abrir: de pijama, os pés
nos chinelos de trança, lendo o seu jornal ou
conversando com os vizinhos, estava ali de
passagem.
Para sermos exatos, era na repartição, à
[115] sua mesa de trabalho, que Guilhermino
Pereira se sentia realmente em casa.
Josué Montello. A indesejada aposentadoria. Capítulo II, p. 11-14. Texto adaptado.
Assinale a perspectiva da qual fala o enunciador.